quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Botas, pra que te quero!

Desabafo de uma esposa de policial (Texto adaptado)

Estas aqui são as botas do meu marido. Coloquei-as na área para secar, não porque lavei, mas porque chegaram encharcadas após um plantão noturno abaixo de chuva.
Bom, meu marido chegou em casa as 10:00 da manhã, estraçalhado por um sistema inoperante e pela sobrecarga de atividades. Apesar de sua experiência profissional lhe permitir um “certo” equilíbrio emocional, muitas vezes chega psicologicamente abalado e fisicamente cansado. Cansado de passar horas em uma delegacia, cansado de correr atrás de vagabundo, cansado de se envolver em conflitos com bêbados ao volante, cansado de atender acidentes com vítimas fatais, onde ele mesmo na maioria das vezes é quem dá a triste notícia para a família. Às vezes até médico ele tem que ser fazendo primeiros procedimentos para tentar salvar uma vida antes que o socorro chegue.
Geralmente essas tragédias acontecem em épocas festivas de maior movimento nas estradas, como Natal, Ano Novo e Páscoa, o que contribui ainda mais para que chegue em casa acabado.
Somos nós, os familiares que o "recuperamos" depois de um plantão. Mas voltando às botas, são elas que resolvem os problemas no caminho garantindo a segurança para que você possa passear tranquilo com sua família. Mesmo assim nunca está bom, sempre recebe críticas da sociedade.
Esta noite eu não tive meu marido deitado ao meu lado, e aí a sociedade me entrega ele ao amanhecer molhado, cansado e com os pés calejados dentro desta bota.
Às vezes o vagabundo que foi preso durante o plantão chega em casa antes que meu marido... E ainda tem gente que fala mal de polícia: "Esses aí ganham para não fazer nada”. Primeiramente ninguém os colocou lá; foram horas, dias, meses e até anos estudando para alcançar o tão sonhado cargo de servidor público. E outra... Você sabe quanto custa uma bota desta aí? Quanto custa um jogo de farda? Vou trocar a pergunta. Sabe quanto pesa vestir uma farda? São quase 10 Kg de farda no corpo. Uma blusa de malha, um jogo de fardas, um par de meião, um cinto de couro, um colete balístico, um coldre com arma na cintura, um boné e, claro, as “Botas”... Tudo isso abaixo de sol e chuva!! Mas vou reformular a pergunta novamente. Sabe quanto pesa na alma vestir uma farda desta?
Não sei se eu me sinto feliz em não ser uma policial ou desonrada em não ser. Há quem diga que polícia não presta. Sinceramente quem não gosta de polícia é vagabundo. Eu não tenho medo de polícia! Não tenho medo de ser parada em uma blitz, nem de ter o carro revistado, nem a bolsa olhada. Quem não deve não teme!
Existem os hipócritas que não gostam, que dizem que são truculentos, mas quando precisam, querem que a polícia venha e coloque ordem no pedaço. Mas só eu e os familiares de um policial sabemos como é triste a sociedade tão hipócrita, nos devolver eles assim...estraçalhados pelo sistema!

Ass: Michela B. Mariano – casada com PRF Papa Sierra.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Carta Aberta - PRF

Carta de um Policial Rodoviário Federal ao Ministro Francisco Cândido de Melo Falcão Neto, presidente do Superior Tribunal de Justiça.

Nobre Ministro, permita-me a apresentação:

Tenho 87 anos de existência e tenho certeza de que o senhor não me conhece adequadamente.

Sou um trabalhador diferente dos demais, pois trabalho a noite, mas não faço jus à remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, como garante a Constituição Federal a todos os trabalhadores;

Trabalho rotineiramente acima da jornada de trabalho prevista para o meu cargo, mas não recebo remuneração pelo serviço extraordinário, conforme dispõe o Art. 7, XVI da CF;
Trabalho na fronteira, mas não recebo a indenização pelo exercício de atividade penosa em área de fronteira, conforme determina a Lei 12.855/2013 e apesar de ser servidor público civil, o Supremo Tribunal Federal entende que por ser policial não tenho direito subjetivo à greve, como se militar fosse.
Muito prazer, sou Policial Rodoviário Federal.
Escrevo esta carta destinada a Vossa Excelência, pois acaba de conceder medida liminar determinando que as entidades sindicais que me representam abstenham-se "de deflagrar o movimento paredista, inclusive na forma de "operação padrão" ou outra ação organizada que, direta ou indiretamente, venha a interferir nas rotinas, condutas e protocolos estabelecidos e normalmente adotados, no âmbito interno e no tratamento ao público, sob pena de multa de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil Reais) por dia de descumprimento".
Tenho certeza de que o senhor proferiu a presente decisão liminar por desconhecer a realidade atual dos policiais rodoviários federais.
Não existe, como  quer fazer parecer o Governo Federal, iminente ameaça de suspendermos a prestação de serviços a sociedade, através de movimento grevista, ou qualquer movimento de omissão coletiva de cumprimento das nossas obrigações.
Infelizmente, os policiais rodoviários federais estão sendo acometidos por um surto epidêmico desmotivacional que está afetando consideravelmente o seu desempenho laboral, conforme passo a expor detidamente:
Nos últimos oito anos, o policial rodoviário federal tem se desdobrado de maneira sobre-humana no desempenho de suas obrigações, especialmente diante das péssimas condições de trabalho a que está subjugado. Apesar das imensas dificuldades que enfrenta, conseguiu oferecer a sociedade um serviço público de qualidade, tornado-se o policial mais eficiente do Brasil.
Só a título de exemplo, os PRFs representam apenas 1% (um por cento) de todos os policiais brasileiros, mas a Polícia Rodoviária Federal é a polícia que apreendeu a maior quantidade de drogas do país no ano passado e conseguiu reduzir, nos últimos quatro anos, 20% dos acidentes e 22% das mortes nas rodovias federais, o que rendeu ao Brasil um prêmio internacional de segurança viária concedido pela ONU.
Esses resultados expressivos  da PRF foram alcançados mesmo possuindo o menor orçamento e o menor efetivo policial dentre as instituições de segurança pública do país, o que demonstra a eficiência e o esforço surreal de seus policiais.
O Policial Rodoviário Federal conseguiu atingir tamanhos resultados, destacando-se dos demais, não apenas por sua capacidade multitarefa e sua abnegação, mas especialmente por  ter se tornado um servidor policial proativo e não ser simplesmente mais um ser reativo. Essa proatividade não foi algo plantado e germinado deliberadamente pela instituição, ela brotou espontaneamente dos policiais e foi contagiando a todos de maneira positiva e gradual ao longo desses últimos anos, o que nos fez alcançar tamanha eficiência.
Mesmo com tanta dedicação e empenho, os policiais rodoviários federais amargaram a redução de quase 50% dos seus vencimentos, considerando a correção do IGPM nos últimos nove anos, o que faz com que estes servidores não consigam mais prover uma sobrevivência digna a sua família.
Apesar do sofrimento que vem passando, em virtude da depreciação dos seus salários, os PRFs acreditavam que, de forma meritocrática, em reconhecimento a abnegação, dedicação e eficiência alcançadas, teriam os seus proventos recompostos minimamente, pelas perdas inflacionárias sofridas, na negociação salarial deste ano, o que não ocorreu. 
Com a frustração dessa expectativa coletiva, disseminou-se rapidamente um sentimento comum de consternação profunda, principalmente ao verificarmos a recomposição salarial de outras carreiras, restando aos policiais rodoviários indiferença e desprezo por parte do Governo.
O ser humano policial é a essência da instituição. Dessa forma, quando os homens adoecem, a organização perde produtividade e qualidade nos seus serviços prestados. Imagine, então, o impacto que essa enfermidade generalizada está causando em um órgão que baseia  seu bom desempenho na proatividade do policial.
Apesar disso, podemos assegurar que não houve e nem haverá qualquer alteração nas rotinas, condutas e protocolos adotados pelo policial rodoviário, pelo profissionalismo e comprometimento demonstrado durante os seus 87 anos existência.
Vislumbramos, apenas, uma mudança no sentimento interno do PRF que deixou de ser um trabalhador proativo e passou a ser um indivíduo completamente reativo. Para percebermos isso, basta observarmos detidamente qualquer policial rodoviário e notaremos facilmente um olhar atônito, uma aura carregada de tristeza, seguramente o mesmo semblante de uma pessoa quando; perde um ente querido.
Cumpre-nos destacar que não somos paredistas, desordeiros, nem tampouco deixaremos de cumprir nossas rotinas e protocolos orgânicos, pois nunca vacilaremos no cumprimento da nossa missão institucional.
Diante do exposto, gostaria que vossa excelência se sensibilizasse ao compreender que no momento sofremos de uma enfermidade generalizada cujo tratamento depende da valorização do Policial Rodoviário Federal, para que nele subsista motivação e ele possa voltar a ser o guerreiro proativo de outrora.
Assim, a eminente decisão proferida por este douto julgador aprofunda ainda mais a epidemia desmotivacional que acomete os policiais rodoviários, já que estes batalhadores incansáveis diuturnamente zelam pela ordem, mantendo a paz social em nosso país, mesmo sendo negado a eles direitos fundamentais dos trabalhadores (como os mencionados na apresentação inicial) sendo a decisão desproporcional, uma vez que esses profissionais jamais cogitariam colocar a segurança da sociedade brasileira em risco.


Votos de apreço e estima,
Do singelo Policial Rodoviário Federal, Delta Romeu.