Apesar de um cartão de visita irônico, a publicação de hoje é dos temas mais sérios que eu poderia tratar com você, leitor: a importância da fiscalização e autuação sem abordagem nas rodovias federais.
A Provocação
O que me motivou a gastar o meu tempo escrevendo sobre o assunto foi o teor do processo 0103710-44.2012.4.02.5102 julgado pelo Juiz Federal William Douglas da 4ª Vara Federal de Niterói/RJ (Lei mais em: FenaPRF). Nesta notícia é possível vislumbrar todo o delineamento técnico do fato, desde as alegações/percepções do magistrado até mesmo a contextualização feita pelo SinPRF/RJ, emissor da nota de repúdio.
A Decepção
Creio ser até dispensável a apresentação do ex-delegado, atual juiz federal, professor e cidadão, como ele mesmo faz questão de frisar, que é tido como um "guru dos concurseiros", notavelmente por suas importantes obras sobre o tema. Até então era também meu "guru"; fiz publicações no outro Blog sobre seu material destinado aos concurseiros, cheguei ainda a interagir com ele no Twitter acerca de uma publicação do Rogério Greco (Atividade Policial - Aspectos penais, processuais penais, adm. e const. - Editora Impetus) questionando o fato de a PRF não ser apresentada como Polícia Ostensiva (na verdade a PRF foi deixada em segundo plano nesta obra), tendo sua devida atenção, porém a justificativa para a desconsideração da PRF até hoje paira no ar... Enfim, nessa ocasião a lacuna deixada pelo "esquecimento" de uma polícia da importância da PRF ainda não havia se traduzido em decepção, porém o episódio tratado hoje foi a gota d'água para que toda a admiração pelo WD se tornasse uma frustração para com aquele personagem que até então estava num patamar diferenciado do brasileiro médio, para mim.
A Realidade
Quanto ao processo em questão, o Juiz Federal anulou uma multa de trânsito aplicada pela Polícia Rodoviária Federal
por ultrapassagem proibida, por entender, dentre outras coisas, que "a
fiscalização sem abordagem do infrator constitui um mau serviço da PRF".
Pois bem, vamos nos desprender dos termos técnicos e partir para a realidade nua e crua do serviço policial, Dr. WD.
É sabido, ou deveria ser, pelo Sr. que a Polícia Rodoviária Federal - PRF é historicamente tratada subestimando-se sua importância e impacto social, o que é traduzido numa concentração subestimada de PRFs (número de policiais por unidade operacional, número de policiais em viaturas por trecho/Km). É sabido ainda que a malha viária colossal brasileira é utilizada por infratores contumazes que repousam sobre o "garantismo jurídico" que vem sendo construído ao longo dos anos por leis oriundas de legisladores leigos (quando deveriam ser técnicos) e decisões de julgadores que nada fazem além de interpretar essas (porcas) leis em favor sempre do réu (mesmo em caso de infração administrativa) prendendo-se absurdamente ao in dubio pro reo e ignorando o in dubio pro societate. Ops, não queria ter partido para o lado técnico da coisa, até porque eu sou só um policial e tentei afrontar a vossa sapiência jurídica e filosófica. Voltemos ao mundo dos humanos, mortais.
Acontece que aqui na pista, quem cata pedaço de gente (morta, ainda é gente?) somos nós. Aliás, nem sempre é no plural; a realidade da PRF é de EUquipe para cuidar de trechos de quase 300Km às vezes, quando muito estamos em 2 (nessas horas a estimada PM do Rogério Greco se morde, pois 2 PRFs fazem o trabalho que às vezes 10 deles não fariam).
É na hora que estamos em EUquipe que nos deslocamos para atender acidente: fazer levantamento de local (como se peritos fôssemos), avaliar danos nos veículos, qualificar os envolvidos, ouvir testemunhas e vez ou outra agirmos como Corpo de Bombeiros Militar. Nesse mesmo plantão atendemos solicitações diversas desde um socorro mecânico até mesmo roubo de veículo/carga com sequestro, passando por atendimento hospitalar e violência doméstica. Nesse plantão de intermináveis 24 horas, temos tempo para fazer autos de infração sem abordagem, pois as orientações superiores nos proíbem de abordar veículos/pessoas estando sem o mínimo de segurança disponível (inferioridade numérica). Essas autuações, senhor Juiz Federal, nada são além de o dever de agir do servidor público, que na constatação da infração deve, de ofício, gerar o auto de infração, que é Ato Administrativo Vinculado e para ter sua validade plena deverá estar nos conformes da lei, que é o que fazemos quando anotamos as circunstâncias da inviabilidade da abordagem no campo de "Observações" do Auto de Infração de Trânsito.
Se o senhor não sabe, diversas podem ser as circunstâncias que ensejam a lavratura do Auto de Infração sem abordagem, posso inclusive elencar algumas para o senhor: infração visualizada quando o agente realiza intervenção diversa, como abordagem a outro veículo, atendimento de acidente, prestação de auxílio a usuário da rodovia e etc. Há ainda aqueles casos onde o agente está trabalhando sozinho (seja porque não há equipe para compor plantão, seja porque seu parceiro foi atender acidente sozinho também) e há a inviabilidade técnica (por questões de segurança própria e de terceiros) de pegar uma viatura e sair correndo atrás de um infrator, por exemplo, que foi visualizado realizando uma ultrapassagem proibida na frente do posto policial, o que é uma prática recorrente, típica de condutores que se deleitam com posturas garantistas como a sua e simplesmente pensam: vou ultrapassar em faixa contínua na frente do Posto PRF, pois aquele "guarda" ali está sozinho e não perderá seu tempo vindo a 200Km/h atrás de mim só pra me multar.
É essa mentalidade retrógrada que poderá/deverá ser quebrada 30 dias depois quando ele receber em sua humilde residência um AIT da PRF; talvez ele não mais lembrará de ter cometido essa infração (inclusive porque ele é contumaz) trará um imenso ônu$ à Administração Pública ao recorrer às 2 instâncias administrativas até a via judicial, como o processo para o senhor distribuído (citado no início da publicação), para julgar improcedente um ato legal emanado do agente da autoridade de trânsito que, por uma pirraça de infrator (travestido de alegações ridículas defendidas por um advogadozinho que não se sabe como passou na prova da OAB), prestando dessa forma, um desserviço a sociedade.
As Conclusões
Quem está aqui para ser o algoz da sociedade: esse agente que se expõe aos mais diversos perigos em função, inclusive, desse infrator (potencial homicida) de trânsito, ou esse infrator, que realiza uma ultrapassagem proibida no seu potente veículo (provido de Air Bags que o dão falsa sensação de imortalidade) para reduzir em 1 minuto o tempo total de sua viagem?
Quem presta o mau serviço a sociedade: o PRF multitarefa tão menosprezado pela sociedade e invejado por outras polícias (por ser parte da polícia que mais apreende entorpecentes no Brasil sem ter escuta ou trabalhar em cima de denúncias ou por ser carreira única) ou o advogadozinho de porta de Ciretran que redige um recurso patético alegando que a fé pública do agente da autoridade é efêmera ou a presunção de legitimidade/legalidade dos atos emanados por esse agente não são o bastante para caracterizar a infração de trânsito cometida, que deveriam somar-se outros meios de prova como filmagens/fotografias?
Por falar nisso, que tal o judiciário então determinar que se cumpra a risca tudo é que está regulamentado para o pleno exercício da função policial; assim estaríamos providos de todos os meios necessários para que a palavra desse mero agente fosse corroborada por testemunhas (outros agentes, por exemplo), que houvesse registros fotográficos (não é demais sonhar com uma GoPro na viatura, é?), ou ainda pedir que fossem instaladas câmeras a cada Km de rodovia... Ops, isso não está nas mãos do judiciário! Também não está nas minhas, Sr. Juiz, está, quem sabe, nas mãos da Administração Pública superior, quiçá no legislativo.
Não adianta "viajar" demais, mas uma coisa é certa: ainda que com recursos escassos (inclusive o humano) e com a Lei (9.503/97 - CTB, a propósito, cheia de falhas) vigente, os autos de infração sem abordagem continuarão a ser lavrados, os infratores "inocentes" (por falta de memória ou hombridade para admitir a falha) continuarão a impetrar recursos (causando prejuízo desnecessário aos cofres públicos), mas polícia não deixará de cumprir seu papel de constatar infrações administrativas e penais, agir conforme rege a lei e cumprir seu papel constitucional. Prevaricar não é procedimento policial! Ser omisso é atributo antagônico ao altruísmo, que é característica intimamente ligada ao exercício da função pública.
Vou continuar meu mau serviço a sociedade agora, tá... apreender armas, entorpecentes, combater crimes ambientais e fiscais, fiscalizar o excesso de peso e transporte rodoviário de cargas/passageiros, fazer escoltas, realizar atendimento de acidentes, cumprir mandados de prisão, realizar parto, agir em caso de desinteligência familiar, realizar desobstrução de rodovia interditada por "movimentos sociais" e fiscalizar o trânsito... ah, tem o trânsito para cuidar!
Um trânsito que mata mais do que as guerras civis de muitos países sobretudo porque os atores do trânsito brasileiro sofrem de um mal praticamente incurável: a impunidade. Se aí no Olimpo não se vê, aqui no Brasil somos campeões de colisões frontais causadas por ultrapassagem proibida; temos um número surreal de mortes por falta de cinto de segurança; os "bebuns" circulam livremente com um celular no bolso pronto para ligar para seu advogado de porta de Ciretran para orientá-lo a não realizar o teste de etilômetro; no norte e no nordeste as pessoas (às vezes até 5 numa motocicleta) não utilizam capacete de segurança; sem contar os condutores sem CNH que vivem por aí como uma bala perdida querendo encontrar uma família feliz transitando tranquilamente para eles aniquilarem num acidente evitável (todos são evitáveis) e saírem vivos para depois responder em liberdade a um processo por Homicídio Culposo (Dolo Eventual distorcido para Culpa Consciente por legisladores e juristas garantistas) e ter como pena a prestação de serviços comunitários.
In dubio pro reo nesses casos é sinônimo de "durma com um barulho desses", sociedade dos legalistas/justos. Só que muitos dos justos dormem para a eternidade, aí não há sentença judicial que os traga de volta.
PRFoxxx
Simplesmente fantastico. Eu já não gostava do WD,imagina agora...
ResponderExcluirQueria muito que o WD visse isso.
ResponderExcluirMuito bem escrito e embasado.
Parabéns Foxxx!!!
ResponderExcluirO policial ostensivo não captula como o delegado, nem decide como juiz. Porque o delegado tem prazo para tomar decisões e o juiz meses ou anos para florear suas palavras. Mas o policial que corre o perigo e tem que decidir instantâneamente e depois leva para a Delegacia a ocorrência. Ora sem não pode captular nem decidir, quem apresentará uma ocorrência os sábios do ar-condicionado? Ou é procedimento levar qualquer um para perguntar se tal ato fruto de reclamação é captulável? De teóricos o Brasil está cheio quero ver ter mais pessoas iguais aos PRFs que são 0,8% dos policiais do Brasil e apreendem 40% das drogas ilícitas sem ter condição.
ResponderExcluirParabéns!
ResponderExcluirPRF Fox é o famoso do concurso Pa/MT 2008? Que trabalhou/trabalha no PR?
ResponderExcluirFamoso? Não, sou só um guarda simples como os outros 10.000 dos quadros do DPRF, colega. Sim, eu mesmo, que trabalhei no PR (e vários outros estados do Brasil), mas continuo lotado aqui no país vizinho que faz fronteira também com o Pará. Abs.
Excluiré...
ResponderExcluiruma coisa é ficar na pista e ver/atender/socorrer/prevenir/reprimir todo tipo de crime/situação, outra coisa é ficar na sala com ar condicionado e cafezinho...
PRFoxxx escreve muito bem!
Parabéns .... Sem Palavras....
ResponderExcluirDesentalou a fala que estava presa em muitas gargantas,assim como a minha! Mandou muito bem; espero que sirva de antídoto e reflexão caso juiz leia o artigo e repense sua linha de conduta.
ResponderExcluirEste judiciário leniente com criminosos é que presta uma mau serviço a sociedade brasileira.
ResponderExcluirbela explanação, simples, concisa e direta....parabéns....
ResponderExcluirMuito bem escrito, e que tal um policial, que não aceitou propina de uma empresa, seus superiores aceitaram e, para que ele não atrapalhasse o mesmo foi demitido?
ResponderExcluirhttp://observatorioprfes.wordpress.com/2011/04/25/denuncia-explosiva/
Belo texto!
ResponderExcluirParabéns meu caro! Um texto bem explanado e com uma visão contextual realista!
ResponderExcluirIrretocável!
ResponderExcluirRapaz, belo texto. Queria que o meritíssimo lesse isso...se alguém souber o email dele eu repasso
ResponderExcluirQuantas vezes estou de plantão, sozinho no posto e o cara faz a ultrapassagem bem na frente do posto? Lá tem: Faixas amarelas duplas contínuas, cones grandes, médios e pequenos, placa de sinalização informando sobre o posto 500 m antes, quebra molas...e mesmo assim o INFELIZ faz a ultrapassagem. O que pensar de um condutor dessa estirpe? Penso que faz a ultrapassagem para desafiar. Será que vou pegar uma viatura e sair em disparada, abandonando o posto, para abordar esse miserável? NÃO. Uso o binóculo que fica em cima da mesa, ao meu lado e que paguei US$250,00, pego a placa e na mesma hora digito a notificação. Os 2 minutos de gozo dele por ter demonstrado nenhum respeito à polícia custarão R$191,00 e sete pontos na carteira, se o judiciário permitir.
ResponderExcluirAh tá, quase esqueci...parabéns ao autor desse belo texto.
ExcluirObrigado a todos pelos coments. O Sr. Juiz leu o artigo e respondeu, inclusive foi transcrito na íntegra e faz parte de outra publicação de título "A réplica".
ResponderExcluirTexto excelente. Ainda acrescento o Grande Serviço que a autuação sem abordagem faz: REDUZ ACIDENTES na serra. Em consulta ao Brbrasil podemos observar a correlação da redução de acidentes em locais onde são feitos estacionamentos táticos e autuações sem abordagens. Excelentíssimo Sr. Dr. Semi-Deus Juiz de Direito, desça do avião e viaje de carro. Qualquer necessidade disque 191 e estaremos prontos para servir!!!
ResponderExcluirMuito Bom!!
ResponderExcluirparabens! que texto esclarecedor.
ResponderExcluirparabens! que texto esclarecedor.
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