quinta-feira, 25 de junho de 2015

Bate na porta do céu

Uma das coisas que mais me inquietam nessa vida é a falta do cinto de segurança.
Muitos que acompanham o Blog Dentro Da Viatura já viram aqui os vários artigos que escrevi e as várias perspectivas desse absurdo cultural brasileiro.

Se olharmos a obrigatoriedade a partir da Lei 9.503 - Código de Trânsito Brasileiro, o famoso CTB, publicada em 1997, veremos como de lá para cá houve um declínio no uso desse precioso dispositivo obrigatório. Como de praxe (e não deveria ser), quando da criação  de uma obrigação para o cidadão, num primeiro momento todo mundo passa a cumpri-la por "medo da fiscalização". Imbecil pensar assim, não é? Mas é dessa forma que o povo se comporta. Passado esse primeiro momento, vem uma nova e curiosa etapa, que é separar os conscientes dos acéfalos. O consciente permanece no cumprimento da obrigatoriedade por entendê-la e nesse nosso caso, por acreditar que o cinto de segurança salva vidas. Do outro lado o acéfalo (diferente de descrente) abandona a prática do cumprimento da obrigatoriedade da lei por acreditar que "a poeira baixou", ou que a fiscalização ficou amena, ou mesmo que a obrigatoriedade foi um oportunismo administrativo para arrecadar, com multas, por exemplo.

Só para ilustrar: da mesma forma que a obrigatoriedade do cinto de segurança foi banalizada, isso aconteceu com o respeito à faixa de pedestres, com a Lei Seca e demais pontos do CTB... O senso comum do brasileiro é uma coisa curiosa: primeiro a gente cumpre a lei, depois de um tempo a gente faz de conta que ela não serviu para nada senão para prejudicar os administrados (a sociedade em geral). Pura imbecilidade!

São várias as estatísticas que apontam o desuso do cinto de segurança, sobremaneira no banco traseiro (como se todos os ocupantes não estivessem no mesmo veículo, como se não estivessem à mesma velocidade, como se uns fossem mais blindados do que os outros....). Essa estatística eu tenho na minha cabeça, tenho nos meus registros (sistema eletrônico) de autuações, meus colegas de pista Brasil afora tem nos registros de acidentes, tem nas histórias para contar! Eu também tenho histórias para contar, mas não conseguiria mostrar aqui para vocês o quão impactante é chegar em um local de acidente na rodovia e ver gente morta, ver gente destroçada por estar sem o cinto de segurança. Nem minhas milhares de fotos conseguiriam expressar a dinâmica de um acidente e ainda que fossem filmagens, não materializariam os poderes da velocidade e da inércia. Nunca haverá algo potencialmente efetivo para minimizar resultados trágicos de acidentes senão a consciência de cada um. Se não houver convencimento, pelo menos que haja aceitação da obrigatoriedade desse dispositivo!

O sujeito vai ver crash tests, vídeos de Youtube, reportagens televisivas ou mesmo presenciar acidentes quando em viagens por esse mundão afora, mas só se convencerá da necessidade do uso do cinto de segurança quando sofrer um acidente? Não é possível!!! É inacreditável!!!

Ontem foi o Cristiano Araújo, jovem promessa da música (e não era sertanejo, tá?!) brasileira. Fez muita gente feliz, mas infelizmente virou um "exemplo" de que ignorar um simples ato de afivelar o cinto de segurança é a tênue linha que separa a vida da morte. Quantos mais serão números nessa estatística tenebrosa?

Mas PRFoxxx, como você afirma que ele estava sem cinto? E se o dispositivo tiver falhado? E se isso, e se aquilo?

Sinceramente eu custo a acreditar que pessoas ainda façam essas perguntas na internet e questionem a avaliação da Polícia Rodoviária Federal e da polícia científica de GO nesse acidente de trânsito em questão. Chega a soar patético alguém acreditar que os policiais que atenderam à ocorrência ontem caíram de paraquedas no local, como se nunca tivessem feito um Boletim de Acidente antes na vida. As vítimas de politrauma em questão oferecem mais do que um corpo cheio de fraturas e hemorragia: indicam em si o quanto somos frágeis ante veículos cada dia mais potentes (mesmo com inúmeros Airbags, sistemas de controle de tração e etc). O Boletim de Acidente de Trânsito (BAT) consiste em ¹levantamento do local, ²avaliação dos danos no veículo e ³qualificação dos envolvidos.

1- Levantamento de local é o estudo do pavimento, das marcas de frenagem/derrapagem, ponto de colisão ou ponto de saída, ponto de repouso do veículo, dos corpos, vetorização dos fragmentos e etc. [Isso explicada de forma não técnica]
2- Avaliação dos danos no veículo é a quantificação e qualificação dos danos para caracterização da monta (sem danos > pequena> média> grande). Está diretamente ligada à dinâmica do acidente. Por exemplo, num capotamento o veículo poderá/deverá ter danos (ainda que superficiais) no teto e colunas.
3- Qualificação dos envolvidos é a caracterização dos ocupantes propriamente dita. Levantamento de dados (inclusive para fomentar ação judicial no caso de lide, acionamento de seguro DPVAT e etc) de cada envolvido no acidente diretamente, seja ele condutor ou passageiro, podendo abranger testemunha (envolvido indiretamente) a depender do caso.

Enfim, o importante é ver que nesse exemplo da morte do cantor Cristiano Araújo a imprensa colocou em evidência o uso do cinto de segurança. É imprescindível trazer esse assunto a tona e, quem sabe, chamar a atenção da sociedade para a banalização da vida; trazer para o foco das discussões nas Redes Sociais que um simples gesto de auto-proteção é natural do ser humano.

Como falo sempre: se você não usa o cinto de segurança por acreditar que ele é irrelevante para o resultado, que o faça por ser obrigatório ou vice-versa, apenas use e mantenha-se vivo. Fica a dica daquele que frequentemente "recolhe pedaços" de gente como você, que achava que para ir "só ali" não precisava de cinto de segurança, mas que não voltou para casa para contar história; virou saudade, virou número!


PRFoxxx

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O mamífero

Restrição de tráfego prevista para o feriadão de Corpus Christi (país Laico deve ter feriado católico?), ronda no trecho para garantir a segurança de milhares de famílias que viajam na região em direção aos balneários, casa de família ou amigos, outros trabalhando.
Eis que a gente topa com Whisky, não aquela bebida escocesa famosa mundialmente, é só a inicial do primeiro nome do protagonista dita na forma do alfabeto fonético internacional (A- Alfa, B- Bravo, C- Charlie ...).

Pudera eu ter visto uma garrafa de Whisky quando abrimos a porta do caminhão daquele sujeito que exalava álcool etílico, mas era uma de aguardente de cana-de-açúcar mesmo que ele estava mamando (e miando). Sua arma, digo, seu veículo, um Bitrem de 26 metros (uma das maiores configurações permitidas pela legislação) de comprimento, dotado de 9 eixos, com PBT - Peso Bruto Total previsto (porque com o excesso de peso causado propositalmente pode passar e muito) de 74 toneladas.
Uma mamadeira estilosa, rotulada com um número 51 que dizem ser da sorte. Para nós, sim! E grande sorte, pois a cada abordagem dessa que culmina em intervenção preventiva de um homicida potencial, somamos uns pontinhos para voltar para casa de consciência tranquila de termos conseguido êxito em salvar vidas: a dele (se bem que em acidente de trânsito o bêbado raramente morre) e a de terceiros (que é nossa recompensa).



Guarda tático: Dá uma assopradinha aqui, Whisky!
Whisky: Não vou fazer porque vai dar, senhor. Não faça isso comigo não, por favor.. (choro)

Guarda tático: o senhor tem oportunidade de corroborar aquela mentira que contou ali que não tinha bebido, Whisky; faça o teste.
Whisky: (chorando) eu já fui preso por causa disso por vocês em Rio Verde/GO
Guarda tático: e não aprendeu, Whisky?
Whisky: não tenho coragem de olhar para a cara de ninguém da minha família; "tô morto".

Não Whisky, você está vivo; agradeça a Deus por estarmos fazendo um boletim de ocorrência criminal (Medição Realizada no aparelho de Etilômetro: 0,80mg/L) em vez de um Boletim de Acidente de Trânsito com status da vítima como morta. Você é um baita sortudo, felizardo por ter topado com a PRF, essa polícia que prende sem bater (se bem que você merecia umas palmadas na bunda, que não foram dadas pela sua mãe enquanto você era criança e estava na rédea).

Pare de chorar e pra dentro do xilindró dormir para curar essa bebedeira e talvez retornar sua sobriedade para a vida; entender que foi lhe ofertada uma segunda oportunidade de vida. Ninguém é burro demais para viver sem aprender com os próprios erros.
Tenha uma boa noite e pague sua fiança de R$ 10.000,00 para sair da pocilga e voltar para casa amanhã; muitos não tiveram essa sorte e hoje dormem o sono eterno debaixo de 7 palmos de terra.


PRFoxxx

quinta-feira, 4 de junho de 2015

O obreiro

Oração de início de plantão para afastar todos os males, perigos e assombrações do plantão...

Dessa vez acho que minha reza não foi tão eficiente (não entenda que foi de pouca fé), mas juntou mal + perigo + assombração tudo em uma abordagem só.

Caminhão do tipo Bitrem (Cavalo-trator + Vagão + Vagão = 7 eixos) transitava em período de restrição ao ser abordado. Procedimento padrão de verificação de documentos, vistoria no interior da cabine, avaliação de conformidade do veículo e checagem dos discos de CRONOTACÓGRAFO (Equipamento obrigatório de forma geral nos veículos de carga e transporte de passageiros - Res. 14/98 Contran).
Disco na mão, conferência de informações registradas obrigatoriamente [Nome do(s) condutor(es), Placa do veículo e Data] e dentre as outras (dispensáveis) gravadas, frase clichê de igreja protestante.

- Cabe aqui um aposto antes que venham me crucificar: publicação agnóstica!

Continuando a fiscalização, eis que o sujeito ao ser informado de que seria autuado e que haveria aplicação da Medida Administrativa (retenção até o fim do período restritivo) começa a ladainha invocando mote religioso.
Nessa começo eu a ouvir que não tenho Deus no coração, que estou prejudicando um pobre trabalhador temente a Deus que está trabalhando num feriado para levar o sustento para sua família e por aí vai...
Mal sabe o obreirinho que eu estou aqui também trabalhando para "levar o pão" para casa e que perto do discurso patético dele, a nobreza do meu ofício está alguns degraus acima na escadinha para o céu.

No final, vendo que eu não ia discutir (já fiz muito, mas hoje prefiro poupar minha saliva a gastar vela com defunto ruim) ainda tenta sair por cima: "o senhor ainda precisará de um caminhoneiro", como se isso me comovesse.
Não comove: 1) porque meu trabalho é isento de pessoalidade e estou aqui para cumprir o que a Lei (mesmo cheia de falhas) determina. 2) com absoluta certeza precisarei muito de caminhoneiro aqui na rodovia, mas terei a disposição alguns menos hipócritas e de bom coração que nos ajudarão, afinal de contas, companheiro é companheiro e FDP é FDP, como já dizia os filósofos do campo Cézar e Paulinho (rs).


Vá com Deus obreirinho que vive de propagar seus clichezinhos pobres aprendidos dentro de um antro de vaidades qualquer que ostentam letreiros com nome de Je$u$. Aquele mesmo que está lá em cima vendo que cuido da sociedade, está vendo e ouvindo essa sua heresia.

PS: a esposa do obreirinho viajava sem cinto de segurança tranquila e tomando uma baita cuia de Chimarrão! Quem é o herege aqui, gaúcho?

PRFoxxx

O infante


Carrão de luxo de rolé na quebrada. Acelera, passa, voa...


"Não, essa quebrada é da PRF! É rodovia federal, %*&*(*#*"

- Desembarque do veículo, apresente CRLV e CNH senhora, por gentileza.
- CRLV 2011 (em pleno 2015) e CNH em mãos.

Por falar em mãos, mãos a obra: fazer avaliação dos sinais identificadores do veículo, nada mais nada menos do que um Mercedes Benz/SLK 200 Kompressor. 2 policiais tentando trabalhar e o suposto proprietário (que viajava como passageiro) fazendo de tudo para "empatar". Até aí tudo bem, estamos acostumados com esse tipo de (má) conduta. Consulta do veículo aponta R$ 25.000,00 em débitos.
Autuação e aplicação de medida administrativa e de repente eis que a pomba-gira baixa no sujeito e começa o show.
Revoltinha instantânea: tom de voz alterado, ilações de que o trabalho de fiscalização é injusto e desnecessário, começa a discutir com sua companheira e por aí vai; faltou sentar no chão e espernear quando foi informado de que o veículo seria retido para regularização.
Tentou meter o caô de que estaria naquele momento indo para SP (local de registro do veículo) fazer exatamente a regularização (grande parte dos infratores metem essa de que estariam indo regularizar, justamente na ocasião de abordagem). Velha essa, tenta outra, man!

Começa a tentar coagir um dos agentes a não fazer o procedimento concomitantemente brada ser "tenente-coronel médico da reserva do Exército Brasileiro", pertencente a INFANTARIA e que faria de tudo para reverter tal injustiça para com sua pessoa, ao passo que anota o nome do agente e fala que recorrerá à promotoria.
Como disse um colega: é legal ver o martelo da lei bater na cabeça dos outros, mas quando ele vem para bater na cabeça da gente, não pode!!!

Eis que de repente o gauchão descendente de europeu (legitimamente superior a essa raça impura de mestiços brasileiros que aqui trabalham) resolve abandonar sua companheira e seguir andando para a cidade mais próxima (9Km) rejeitando o oferecimento de táxi ou transporte coletivo. Justificativa, segundo ele: foi da INFANTARIA por 7 anos e não tem medo de vagabundo que eventualmente cruzasse seu caminho naquela noite escura na rodovia.
Nesse momento em que resolve "abandonar" a companheira, absurdamente constrangida, de certa forma me surpreendeu. Após eu ouvir os desaforos que dizia para ela e ela aceitava calada (para evitar que o barraco se tornasse favela), eu juro que imaginava que fosse pegá-la pelo cabelo e arrastar como um homem das cavernas, tão biltre e chiliquento era o sujeito.

E lá se foi o INFANTE, caminhando pela longa estrada da vida. A equipe PRF, que não compactua com injustiças e deselegâncias de todo gênero, prestou um auxílio àquela senhora transportando-a até a cidade mais próxima para que pudesse comprar sua passagem e embarcar em transporte coletivo. No meio desse deslocamento, eis que ao passar a viatura pelo transeunte, lá estava ele com a mão dando "joinha" pedindo carona. Ora infante, arregou da caminhada? E os 7 anos de infantaria? E aquela brutalidade de Conan multiplicado por Chuck Norris?

Próximo cliente, por gentileza. Já deu para rir demais por hoje...


PRFoxxx