sexta-feira, 28 de junho de 2013

A inconstitucionalidade da Força Nacional de Segurança Pública

Como hoje estou um baita plagiador, a seguir mando um texto brilhante sobre o assunto: Farsa Nacional de Segurança Pública. Sim, farsa, uma vez que essa força virtual primariamente não existe  na Constituição Federal. As explanações abaixo são suficientes para pulverizar quaisquer argumentos sobre legalidade e necessidade de se "pinçar" PMs de todos os cantos do país para compor uma força de pronto emprego que ainda não mostrou a que veio e dificilmente mostrará, uma vez que está na mão da chefia do executivo, isso que nem vem ao caso falar dos números pífios se formos avaliar o "custo x benefício".

Antes que alguém pense: "é despeito"; nenhuma força de segurança pública e seus agentes poderá/deverá ter despeito pela desqualificação da FNS, a não ser os PMs que tem vontade de serem "federais"...

O texto é longo, mas bastante elucidativo, principalmente do ponto de vista legal.

______________________________________________________________________

"Gerson da Rosa Pereira - Santa Maria(RS) - 02/04/2008 Falar sobre a importância da segurança pública como direito e garantia fundamental de toda a pessoa humana, se afigura de suma importância nas relações entre as pessoas físicas como as jurídicas, de direito público ou de direito privado, em especial os agentes públicos, onde o exercício de seu munus publico muitas vezes exige decisões que podem cercear ou interromper bens de inestimável valor como o são a liberdade e a vida.
 
Em especial, as populações menos assistidas sofrem constantemente este cerceamento que se dá muitas vezes por circunstâncias de natureza social, devido a falta histórica de oportunidades, seguido do descaso das autoridades públicas em cumprir seu papel em relação às comunidades que vivem à margem das garantias sociais.

Para identificar e contextualizar o que vem a ser Força Nacional de Segurança Pública e sua efetiva função deve-se observar, principalmente, a legislação pátria no que trata sobre a Segurança Pública e os órgãos que a integram. Basicamente, o art. 144 da CF/88 e parágrafos descrevem as instituições que a compõem; da esfera em que atuam e da competência na sua ação; indica suas peculiaridades e suas variáveis.
 
Com a edição do Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004, foi desenvolvido o programa de cooperação federativo denominado Força Nacional de Segurança Pública, além de dar outras providências.
O preâmbulo deste Decreto cita como amparo legal de sua criação os artigos 144 e 241 da Constituição Federal, o que nos afigura sua primeira inconstitucionalidade.
 
Com efeito, o art. 144 trata, em capítulo específico, da Segurança Pública e da relação dos órgãos que a exercem, onde não se vê referência alguma à Força Nacional de Segurança Pública.
 
Neste diapasão, o § 7º, do art. 144, determina que a "lei" (lei, em sentido formal, elaborada a partir do processo legislativo previsto no art. 59, e seguintes da CF/88) disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
 
Passadas duas décadas, a segurança pública ainda não foi disciplinada na sua organização e no seu funcionamento como forma de garantir sua eficiência, não se podendo ter a edição de um Decreto como documento suficiente para disciplinar tão delicado tema.
 
Como se não bastasse, o referido art. 241, com a redação que lhe emprestou a EC nº 19 / 98, passou a prever que a: União, os Estados, O Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizados a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Ademais, os consórcios públicos e convênios de cooperação devem ser dirigidos pela lei e não por decretos; as questões de segurança pública não se inserem nesta possibilidade por fazerem parte de um capítulo específico da Constituição, o do art. 144 do texto constitucional. Cremos que não há que se falar em convênio ou consórcio para a execução de atividades típicas e exclusivas dos Estados e do Distrito Federal, em especial, no que concerne a segurança pública.
 
Desta forma, o Decreto criador da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) já nasceu inconstitucional, por ofensa ao art.25, inciso I, das Disposições Constitucionais Transitórias pelo qual, ficaram revogados a partir de 180 dias da vigência da Constituição, todos os dispositivos legais que atribuíam ou delegavam a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a ação normativa.
Segundo Assis :
 
Em relação à eficácia dos convênios e, por assim dizer, dos programas de cooperação, valem as observações de que os convênios administrativos são acordos, mas não são contratos, a posição jurídica dos signatários é uma só, idêntica para todos, resultando uma igualdade jurídica de todos os signatários e uma ausência de vinculação contratual entre eles, qualquer partícipe pode denunciá-lo e retirar sua cooperação quando o desejar. Os convênios não adquirem personalidade jurídica, sendo considerados tão-somente, uma cooperação associativa livre de vínculos contratuais, gerando instabilidade aliada à precariedade [...]

O que nos leva a crer, num primeiro momento que a intervenção de uma força militar em outro Estado, fere o princípio federativo e a autonomia das Polícias Militares, que são as responsáveis pela segurança pública nos Estados e no Distrito Federal.
 
Já o art.2º do citado Decreto de que a FNSP somente poderá atuar em atividades de policiamento ostensivo destinadas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, permite entrever uma sobreposição destas atividades com os institutos da intervenção federal, em especial o do art. 34, inciso III, da CF/88 e até mesmo o do próprio Estado de Defesa, previsto no art. 136.
 
A construção do art. 3º do Decreto, ao estabelecer os princípios que deverão ser atendidos nas atividades da FNSP, refere-se à unidade de comando nas suas ações.
 
Ocorre que a prerrogativa de Comando é competência exclusiva dos chefes militares, constante em suas doutrinas e nos seus regimes estatutários, tanto nos militares federais como nos militares dos Estados. Neste sentido, nos apresenta no mínimo curioso como poderá o Ministro da Justiça determinar o emprego da FNSP, em última análise, assumindo o Comando de um grupamento heterogêneo de policiais civis e militares.

Por fim, este dispositivo em seu art. 4º aduz que a FNSP poderá ser empregada em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação expressa do respectivo Governador de Estado ou do DF, violando assim, nos parece, a organização político administrativa brasileira, onde a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são todos autônomos, nos termos do art. 18 e seus parágrafos, da Carta Magna.
Mesmo que por solicitação expressa do Governador do Estado cremos que a violação da autonomia seria evidente no município em que se dariam as suas ações, sem falar na própria autonomia dos órgãos estaduais de segurança pública.
 
Ao se atribuir ao Ministro da Justiça, a competência para determinar o emprego da Força nacional de Segurança Pública, cremos que esta autoridade não teria esta condição para chefiar ou comandar qualquer órgão de segurança, além daqueles no âmbito do Governo Federal.
 
Note-se que muitas serão implicações de ordem processual resultarão das ações da FNSP por sua heterogeneidade, a começar pela iniciativa de instauração do inquérito policial militar, já que composta por várias Organizações Militares Estaduais, vez que o Decreto Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969, elenca aquelas autoridades militares que tem competência para sua instauração levando em conta algumas circunstâncias.
 
Neste sentido pergunta-se qual seria o critério a ser seguido para determinar a instauração do Inquérito Policial Militar (IPM), já que as situações apresentadas não encontram amparo na legislação processual penal militar e nem processual penal comum. De outra banda, não caberá ser determinada instauração de inquérito pelo Ministro da Justiça, pois não detém competência legal para esta medida.
 
Também não poderá ser feito inquérito policial pela Polícia Federal, pois o assunto não está afeto ao exercício da polícia judiciária da União, cujas atribuições estão na própria Constituição. Descabido será o IPM formulado pelo Exército Brasileiro ou qualquer integrante das Forças Armadas porque a apuração dos delitos militares cometidos pelos militares estaduais e do Distrito Federal é de competência de sua respectiva Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros Militar, além de o processamento e julgamento se dar por suas justiças castrenses.
 
A situação é juridicamente tão complexa, que Assis apresenta um exemplo simples, mas que demonstra quão difícil seria o deslinde de uma demanda, como no exemplo abaixo descrito :
Quanto às lesões corporais praticadas pelos militares estaduais contra civis, a competência para julgar seria do Juiz de Direito do juízo militar de cada Estado ( art. 125, § 5º, CF/88). Neste caso, fossem os crimes praticados em concurso de pessoas, qual juiz de direito de qual juízo militar seria o competente para processar e julgar o feito? Seriam cindidos tantos processos tantos quantos forem as corporações envolvidas? A rigor, cada militar estadual será julgado na Justiça Militar de seu Estado (Súmula 90 do STJ), mas quem faria este IPM? A instrução do feito seria feita toda por precatória, pois vítimas e testemunhas seriam da cidade de Vitória-ES, e, o julgamento seria em uma das auditorias da Justiça Militar Estadual do Estado originário do PM participante da Força Nacional, onde o juízo irá julgar sem ter tido um contato direto com a prova produzida?

Imagine-se o número de recursos nas Justiças Militares Estaduais e nos Tribunais Federais do Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal questionando esta ou aquela competência, emperrando ainda mais a letárgica Justiça Brasileira.
 
A segurança pública, antes de ser direito e responsabilidade de todos, é um dever do Estado, neste conceito incluindo-se a União, os Estados Membros e até os Municípios, estes com maior responsabilidade neste processo com a criação de políticas preventivas, de profissionalização e geração de renda naquelas localidades onde a criminalidade é mais acentuada.
 
Raras e escassas ainda são posições jurídicas e doutrinárias sobre os resultados da sua atuação, no entanto, dado sua recente criação e atuação, algumas situações se apresentarão num futuro não muito longínquo.
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade foi recentemente interposta pela Procuradoria da Justiça Militar de Santa Maria ao Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles , requerendo a inconstitucionalidade da lei nº 10.277/2001 e dos Decretos nº 3.897/2001 e 5.289/2004.
 
Em sua sustentação aduzia que a lei nº 10.277/2001 feria o dispositivo da autonomia dos Estados-Membros autorizando convênios na preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio além dos limites do Estado de origem.
 
Quanto ao Decreto nº 3.897/2001 por conferir as Forças Armadas o Poder de Polícia que é assegurada constitucionalmente às Policias Militares, no entendimento do Procurador Militar, Dr. Jorge César de Assis.
 
No que tange o Decreto nº 5.289/2004 alegava que este ordenamento feria o art. 25, inciso I da ADCT, art.144 e art.241 da Constituição Federal por não poder este ato ter sido editado após 17 (dezessete) anos depois da edição da Constituição Federal de 1988 por entender que a matéria caberia ao Congresso Nacional.
 
Na condução de sua decisão, o Procurador da República, Cláudio Fonteles, entendeu que a lei nº 10.277/2001 não se tratava de matéria inconstitucional por se tratar de medida para assegurar o funcionamento de serviços e atividades imprescindível à segurança pública e os convênios visam à cooperação dos Estados para uma melhor prestação do serviço.
 
Aduziu que os decretos têm natureza de decretos regulamentadores, razão pelo qual entendeu não poderem ser objetos do controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que entendia não ser direta a ofensa ao texto constitucional o que motivou sua decisão pelo arquivamento no esteio destes argumentos.
 
Os problemas de segurança pública são urgentes e padecem de atenção e vontade política, não podendo ser objeto de longas discussões jurídicas e jurisprudências que produzirão seus efeitos num lapso temporal que pode prejudicar os resultados que se espera na contenção da criminalidade.
 
Daí porque deve o Estado se preocupar realmente em combater a violência não através dos já falidos instrumentos repressores, mas adotando políticas preventivas em parceria com os municípios, sem criar forças especiais de discutível constitucionalidade.


PRFoxxx

Um comentário:

  1. Ao meu ver, a força nacional foi criada para dar uma maquiada em localidades onde o poder público não conseguiu prevenir/reprimir a violência a contento.
    Diante do descontrole devem ter pensado assim: "vamos pegar PM de todos os estados, juntar todos e colocar na rua com fuzil e viatura camuflada, daí o povo pensa que ta seguro, a bandidagem dá uma sumida e a gente finge que dá segurança. Pronto! inventei a lâmpada!"
    deve ter sido mais ou menos assim o.O

    ResponderExcluir