domingo, 17 de agosto de 2014

O Direito de Dirigir Bêbado

Vídeo: O Direito de Dirigir Bêbado



Por Filipe Bezerra
Assistam a esse importante e criterioso documentário elaborado por um Policial Rodoviário Federal acerca do que o País dos Direitos (e ausência de deveres) tem tratado como O Direito de Dirigir Bêbado. São apontamentos cirúrgicos sobre todas as nuances da legislação pertinente ao tema e as "interpretações" de cada ponto.


PRFoxxx

Quebra essa aí

Impressões e teorização leiga

Acho que desde minha entrada na Polícia Rodoviária Federal não sequer UM plantão em que eu não tivesse me deparado com um condutor infrator argumentando o cometimento da infração no sentido de minimizar sua gravidade e ou pedindo para que não fosse autuado.
Desde que o mundo é mundo e as pessoas se organizam em grupos, para que a harmonia desse grupo seja mantida, deve haver regras. E quem cria essas regras? Vivemos em uma sociedade democrática - o poder que emana do povo; a vontade do povo, teoricamente, é colocada em prática pelos seus representantes (hein???) eleitos, que a traduz em normas (de Trânsito, Penais, Cíveis e etc). Em palavras simples, esse é o tal Ordenamento Jurídico.
Se falei besteira, desculpem o leigo (não sou formado em Direito, muito pelo contrário, minha graduação está em outro extremo dessa), mas a ideia é mostrar que não vivemos numa Anarquia, como muitos pensam (e acreditam piamente). Gostando ou não, concordando ou não, devemos seguir todo um conjunto de regrinhas que visam o bem comum (ou pelo menos da maioria), ainda que nelas existam falhas/brechas.
O trânsito nada mais é que o reflexo de uma sociedade. Se o sujeito é arrogante, num veículo ele extravasará isso (e causará acidentes). Se é egoísta, numa rotatória, por exemplo, tenderá a não obedecer a placa de preferencial (e causará acidentes). Se é educado/cortês, irá imobilizar seu veículo antes da faixa de pedestre para que a mãe atravesse com seu filho enquanto voltam da escola (e evitará acidentes). É sempre assim: cada postura implica no bom ou no mau resultado.
Tenho uma convicção: todo infrator é consciente de que está incorrendo em erro. Aqui cabe uma ressalva: aquele que não tem habilitação está abaixo do patamar de condutor, por conseguinte, está errado por si só; não se tem como cobrar dele a consciência de estar incorrendo em erro ou não, pois nela (ou na falta dela) está arraigado o ânimo de andar à margem da lei.
Desde criança somos condicionados a confrontar o permitido e o proibido. Fazemos juízo de valor continuamente. No trânsito esse juízo de valor começa desde o momento em que, por exemplo, adentra-se o veículo e é dada partida sem ter o ocupante colocado o cinto de segurança. Ele está sujeito a se acidentar mesmo com o veículo parado ou ainda que fosse "só ali" na esquina para comprar algo.
Cada conduta, cada detalhe e cada decisão tomada influencia no resultado da viagem. Um exemplo: no deslocamento, se o condutor decide fazer uma ultrapassagem proibida, deve ser consciente de que está se expondo ao risco desnecessariamente; se ao fazer essa ultrapassagem ele está sem cinto de segurança, deve entender que o risco de morte é potencializado; se somado a isso ele está alcoolizado, poderá causar efeitos indesejáveis inclusive a terceiros.

Fiscalização de Trânsito

Para o agente da autoridade de trânsito, a fiscalização está intimamente ligada ao que prevê a Lei (mais uma vez, concordem ou não, haja brechas ou não), tanto na aplicação de uma multa (Notificação de cometimento de infração/autuação, que será convertida em multa após o devido processo administrativo) quanto na execução da medida administrativa.
É aqui que entra o grande gargalo sociedade x autoridade: o leigo não sabe ou não aceita que o trabalho policial não está em função da vontade do agente, numa medida que ele resolveu tomar ali na hora, num ânimo de punir com pessoalidade. Existe no direito a classificação dos Atos Administrativos (de forma simplória: quaisquer atos executados pelo agente público no exercício da função), dentre eles o Vinculado, que prevê de forma praticamente ortodoxa a forma de execução, não cabendo ao agente definir, dentre a nuvem de possibilidades, aquela que mais se aplica ao caso concreto.
Exemplo prático: o PRF visualiza um veículo transitando com seus ocupantes sem cinto de segurança. Via de regra ele deve ser abordado, identificado e autuado pela infração ao Art. 167 da Lei 9.503/97 - CTB. Essa mesma lei prevê a retenção para regularização como medida administrativa. Ora, se o agente somente fizesse a autuação, que sentido teria liberar o veículo com seus ocupantes dando continuidade ao erro? Pela preservação da vida, exige-se que todos façam uso do dispositivo para que a viagem possa continuar.
Simples de entender, não é? Para o infrator ignorante não! Para cada infração e medida administrativa correspondente há um rol de argumentos (se assim podemos dizer) para não ter efeito o determinado pelo agente.
Até que se ficasse nas súplicas do tipo "quebra essa aí", "prometo que nunca mais farei isso", "mas eu sou trabalhador" (como se a gente que o fiscaliza não fosse...) e as mais diversas falácias, há aqueles que tentam nos coagir com frases do tipo "eu conheço fulano de tal", "eu vou anotar seu nome e representar contra você", "isso é um abuso e eu vou entrar com um recurso na justiça", e ainda um terceiro tipo de santo que é o inversor de ônus, que tenta sensibilizar o agente a não fazer seu trabalho como se o errado ali fosse o policial. Ah, não pode faltar o pior deles: o corrupto, que "chama para tomar um cafezinho", que oferece "deixar o do petróleo" e por aí vai.
Fica sempre o questionamento: será um dia que teremos uma sociedade evoluída ao ponto de todos os seus integrantes entenderem que o bem comum é a causa e a finalidade da polícia e que o interesse coletivo deverá sempre sobressair ao individual?
Sinceramente, como caminhamos para a degradação dos valores morais nesse mundo que está à beira do abismo, minhas perspectivas não são lá muito animadoras.


PRFoxxx

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Desumanizando

Há algum tempo quando me propus a contar histórias de rodovia, nunca imaginei que um dia trataria desse tipo de assunto. Hoje venho com um misto de dor no coração, indignação e espanto para contar algo que não ganha notoriedade em nível nacional, na verdade mal é noticiado nos jornais "espirra-sangue" locais e logo caem no esquecimento. Não no meu, não no da família e da comunidade afetada, mas sim no esquecimento e banalização coletivos, que é a parte mais preocupante da história.

Ainda essa semana eu tentava "coletar" informações acerca de uma história de "terror" na rodovia, que tem sido solicitada pelos leitores; me veio logo a lembrança vaga de uma ocorrência em que não me envolvi, apenas ouvi de colegas da mesma unidade operacional: a "mão preta". Um tanto quanto chocante e hilária, mas eu jamais poderia comparar com o que vi nesta madrugada enquanto lia notícias esparsas pelo Facebook.

Por mais que eu tentasse descrever os detalhes e/ou "florear" a história para torná-la aterrorizante, não conseguiria fornecer para vocês a minha perplexidade com uma ocorrência que li e vi a foto que publico abaixo. A imagem e a descrição sucinta do evento por si só beiram a amoralidade (que é diferente de imoralidade).

Não consegui conter a indignação e resolvi difundir para que saibam com que tipo de seres estamos a conviver, e no meu caso específico, dividir local de trabalho. A seguir a descrição do fato publicada pelo site plantaopolicialcn.net

NO PARÁ CAMINHONEIRO PASSA EM CIMA DE UMA MANIFESTANTE DO MOVIMENTO DOS SEM TERRA
"Segundo informações,na tarde desta terça-feira (12) manifestantes do movimento sem terra bloquearam estradas de Marabá-PA. Alguns deles estavam fazendo uma barreira na estrada quando um caminhoneiro irritado passou por cima de uma manifestante. Não recebemos muitas informações!
Redação do Plantão Policial
Fonte: Correspondentes do Plantão Policial"


Não é possível acreditar que a humanidade chegou a esse ponto! Considerando que a imagem seja fidedigna a narrativa do fato, começam os questionamentos:


- O que significa "caminhoneiro irritado"? Para mim esse é o estado natural de quase a totalidade da classe; não por ser um trabalho estressante, mas sim porque esses indivíduos estão sempre a reclamar de tudo e de todos, procurar culpados sem olhar para si próprios. Pela pouca experiência de pista, nota-se que a esmagadora maioria, nos diferentes eventos de rodovia (interdição, acidente, fiscalização, comandos educativos e etc) portam-se de forma sempre negativa, intransigentes, egoístas e truculentos. Salvo raras exceções, obviamente, é complicado lidar com a "classe".


- Manifestação em rodovia, até que ponto? É sabido por todos que os movimentos sociais extrapolam os limites urbanos, sobremaneira depois da ascensão do MST e ocupação estratégica de lotes lindeiros nas rodovias federais. As manifestações com bloqueio de rodovia são um artifício usual dessa "massa" que tem legitimidade parcial em seus pleitos (não vou detalhar, mas acredito ter certa propriedade para tratar do tema), ao passo que são hoje um grande gargalo na contraposição de direitos: o requerido pelos usuários da rodovia, que é o de Ir e Vir, antagônico ao de Protesto/Manifestação/Reunião. Não cabe a mim um juízo de valor a respeito de prevalência, nem tampouco de legitimidade das partes.

Isto posto, chegamos ao vértice da questão: caminhoneiro de um lado, dotado de seu potente veículo com status de arma letal somado ao ânimo de tornar seu direito absoluto (lembre-se que falei de egoísmo ser uma característica latente da "classe"), do outro lado manifestantes (com a legitimidade parcial de interesse) desprovida de quaisquer recursos, senão o volume da massa e o ânimo de lutar também por seus interesses (difusos, não necessariamente econômicos como o daquele caminhoneiro).

Nesse confronto, quem ganha, quem perde? Todos! Hoje quem perdeu foi a vida, foi a manifestante. Foi a família, foi o MST (que não sou defensor, antes que me rotulem), foi a sociedade brasileira, que está diante de seres cada dia menos humanos. Perdeu a sensatez, que se viu impotente diante de um animal que julgou ser seu frete mais valioso que uma vida, que uma história, que filhos pequenos para criar, que uma luta por reforma agrária justa (não essa palhaçada dos comunistas da esquerda-caviar, registre-se!). A alegação dessa troca desastrosa: "eu sou trabalhador e esses sem-terra são vagabundos".

Ah caminhoneiro, todo poderoso juiz e carrasco da rodovia; vamos nessa ótica então! Toda vez que eu visualizar o senhor usar seu veículo (Peso Bruto Total = 74 Toneladas) numa ultrapassagem forçada, gerando perigo iminente ao veículo de passeio de uma família que viaja em sentido contrário, por exemplo, farei o senhor engolir 500mL de spray de pimenta.
Toda vez que eu flagrar o senhor conduzindo embriagado, farei ingerir álcool até entrar em coma alcoólico para ver se o senhor aprende que a Lei da Tolerância Zero existe para poupar vidas, inclusive a sua.
Sempre que eu visualizar o senhor usar seu veículo para "jogar" outros para fora da pista (como um fez comigo há 2 semanas), sacarei minha pistola e te darei um tiro letal, que é para ver se na outra encarnação o senhor vem com coração em vez de uma pedra no peito.

Simples assim, oh suprassumo da piedade e benevolência da rodovia.

PRFoxxx

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Histórias de Rodovia - A champanhe

Era só mais uma madrugada do mês de Junho em um Posto PRF qualquer naquele velho país que faz fronteira com o Brasil e com o Pará...

A equipe de 2 bravos "guardas patrimoniais" realizava expediente administrativo (pois nem só de fiscalização vive o policial), quando de repente um veículo avança em direção a frente do prédio público, realizando frenagem brusca. Lanterna mirada, apenas um indivíduo focalizado; PRFoxxx se aproxima da janela e vê uma jovem com feição degradada, cabelo mal arrumado, fala desconexa.
Ouve as seguintes perguntas: que lugar é esse? Está longe da cidade Xxxxx? Quanto tempo de viagem?
Percebendo o policial tratar-se de uma figura "sem rumo" na direção daquele veículo, solicita a apresentação da documentação de porte obrigatório e ordena o desembarque. Observa ainda vestes desordenadas, dificuldade no equilíbrio e odor etílico, provas admitidas em Direito mais do que suficientes para caracterização da embriaguez por parte da figura em questão. PRFoxxx pergunta então àquela jovem, sua origem e destino; alega ela estar vindo de uma cerimônia de casamento em uma cidade que dista aproximadamente 700Km da capital deste Estado, e que esta capital seria seu destino final. (Ãh, a moça pretendia fazer uma viagem de 700Km embriagada??? Sim). Arguída sobre ter feito ingestão de bebida alcoólica, confirma ter ingerido algumas doses de Champanhe, sem saber precisar quanto. Convidada a realizar o teste de etilômetro, informa ser "acadêmica de direito" (e daí???) e ter mão promotora de justiça, pai advogado (grande ¨&*¨%&#, mas era lorota de bêbada, depois de pesquisar descobrimos ser mentira), dizendo ser sabedora de que o Direito Brasileiro rege que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo (uau, bêbada lúcida e usuária do garantismo hipócrita do patético e obsoleto direito penal do país). Reclama de dores de cabeça (causadas pela desidratação em função de ingestão de alto volume de álcool), solicita uns 2 copos de água e resolve curiosamente se submeter ao teste de ar alveolar (vulgarmente chamado de bafômetro) para saber/quantificar o volume de álcool presente no seu organismo. Para minha surpresa, a medição aponta mais do que o dobro do limite inferior de volume para ser considerado crime (Art. 306 da Lei 9.503/97 - CTB).

Voz de prisão dada, agora era começar a realizar os procedimentos administrativos e esperar o horário de expediente para fazer o encaminhamento para a autoridade policial na Delegacia de Polícia Judiciária Civil deste município.
Acontece que nesse ínterim, a autuada resolve mostrar o potencial do champanhe no organismo humano. Ao ser orientada a ir até o automóvel para aguardar o encaminhamento (uma vez que o Posto PRF não dispõe de cela adequada ao recebimento da autuada), eis que a jovem questiona o agente: "não tem uma caminha para eu dormir aí não? aqui está frio; se tiver também uma cobertinha...".
Lembrada de que está numa abordagem policial e que este prédio público não é um hotel, retruca: "vem dormir no carro comigo (...). Com essa .40 você se garante hein. Eu já peguei um policial (Capitão PMMT em Cuiabá, explica), vem dormir comigo!!!".
Mais uma vez, lembrada de estar em situação de prisão em flagrante e da necessidade de respeitar o trabalho policial, parte para novo intento, dessa vez "avançando" sobre o agente, que a repele com técnicas sofisticadas de afastamento de presa (rs), sendo questionado pela autuada acerca de sua situação civil, já que não ostenta aliança.
Já dentro do veículo, a autuada profere algumas frases do tipo: "policial, vem dormir comigo; aqui está friiio". Uma hora cessam os gritos, o procedimento administrativo continuará com tranquilidade, até que...
O champanhe mostra mais das suas formas de transformar um ser humano comum em Meme Rodoviário para minha história: ao me aproximar do veículo para "acordar" a autuada (que já encontrava-se no terceiro sono), observo que a jovem encontra-se seminua dentro de seu automóvel (ora, mas não estava "friiio"?).
Certo constrangimento ao acordá-la para concluir o encaminhamento e apresentação a autoridade policial. Quando já recomposta, pergunto se ela se lembra dos fatos ocorridos há algum tempo, desde o início de sua abordagem até aquele momento; informa se lembrar pouco e incrivelmente agradece a abordagem policial, tendo agora lucidez (de fato) para entender que era melhor ser presa por dirigir embriagada do que lá adiante essa equipe PRF ter sido acionada para atender seu acidente de trânsito...
Bom, presumimos que ali tinha se esgotado o efeito da champanhe. Wrong! mal poderíamos imaginar que viria agora a melhor parte da história: já na Delegacia de Polícia Civil (aconteceram algumas coisas engraçadas durante o encaminhamento, mas melhor pular essa parte), a autuada já dentro da cela teve um surto quando ainda realizávamos as oitivas (parte integrante dos Autos de Prisão em Flagrante). Gritava a moça: "seus vagabundos, me tirem daqui, é muita humilhação. Vocês vão ter que me tirar das ferragens quando eu sair daqui e jogar meu carro na frente de um caminhão!". Nós e a escrivã nos dirigimos a antessala da carceragem e questionamos a jovem acerca das afirmações; momento em que ela cinicamente olhou para nós e com aquele ar de boazinha e disse: "Eu? Não falei nada? Vocês devem estar ficando loucos; eu não disse nadinha!".
Acreditamos que o show tinha acabado por ali. Ledo engano; mais tarde em ligação telefônica a escrivã informou que o surto atingiu níveis estratosféricos, a ponto de ela ter que filmar o espetáculo para apresentar ao delegado como forma de eventualmente rebater alegações quando da oitiva da autuada, que gritava e jurava de pés juntos estar dividindo a cela com um homem e que esse suposto homem estava a tentar estuprá-la (para mim ardil de quem quer inverter o ônus da prova e derrubar a prisão em flagrante alegando arbitrariedade e desacordo às normas de prisão em flagrante, processo penal e etc...).
Curiosamente (e infelizmente), poucas horas depois passa um veículo sentido norte do estado tendo como passageira a jovem (ex-detenta) que teve sua liberdade restituída em função de pagamento de fiança. Deve ter rendido uma boa quantia aos cofres públicos, pois tratava-se de pessoa de alto poder aquisitivo e situação socioeconômica privilegiada (o valor da fiança está, inclusive, em função dessas variáveis).
Para nós, rendeu a satisfação de ter feito um trabalho preventivo: poupamos no mínimo uma vida; evitamos gastos públicos com atendimento de evento acidente automobilístico (com vítima fatal essas cifras estão na casa de dezenas de milhares de Reais), e para meus leitores que tiveram paciência de chegar ao fim do texto, uma história muito peculiar e de reflexão.

Desculpem eu ter me alongado, mas é que com tantos detalhes relevantes, não tive como ser mais breve.


PRFoxxx