domingo, 17 de agosto de 2014

Quebra essa aí

Impressões e teorização leiga

Acho que desde minha entrada na Polícia Rodoviária Federal não sequer UM plantão em que eu não tivesse me deparado com um condutor infrator argumentando o cometimento da infração no sentido de minimizar sua gravidade e ou pedindo para que não fosse autuado.
Desde que o mundo é mundo e as pessoas se organizam em grupos, para que a harmonia desse grupo seja mantida, deve haver regras. E quem cria essas regras? Vivemos em uma sociedade democrática - o poder que emana do povo; a vontade do povo, teoricamente, é colocada em prática pelos seus representantes (hein???) eleitos, que a traduz em normas (de Trânsito, Penais, Cíveis e etc). Em palavras simples, esse é o tal Ordenamento Jurídico.
Se falei besteira, desculpem o leigo (não sou formado em Direito, muito pelo contrário, minha graduação está em outro extremo dessa), mas a ideia é mostrar que não vivemos numa Anarquia, como muitos pensam (e acreditam piamente). Gostando ou não, concordando ou não, devemos seguir todo um conjunto de regrinhas que visam o bem comum (ou pelo menos da maioria), ainda que nelas existam falhas/brechas.
O trânsito nada mais é que o reflexo de uma sociedade. Se o sujeito é arrogante, num veículo ele extravasará isso (e causará acidentes). Se é egoísta, numa rotatória, por exemplo, tenderá a não obedecer a placa de preferencial (e causará acidentes). Se é educado/cortês, irá imobilizar seu veículo antes da faixa de pedestre para que a mãe atravesse com seu filho enquanto voltam da escola (e evitará acidentes). É sempre assim: cada postura implica no bom ou no mau resultado.
Tenho uma convicção: todo infrator é consciente de que está incorrendo em erro. Aqui cabe uma ressalva: aquele que não tem habilitação está abaixo do patamar de condutor, por conseguinte, está errado por si só; não se tem como cobrar dele a consciência de estar incorrendo em erro ou não, pois nela (ou na falta dela) está arraigado o ânimo de andar à margem da lei.
Desde criança somos condicionados a confrontar o permitido e o proibido. Fazemos juízo de valor continuamente. No trânsito esse juízo de valor começa desde o momento em que, por exemplo, adentra-se o veículo e é dada partida sem ter o ocupante colocado o cinto de segurança. Ele está sujeito a se acidentar mesmo com o veículo parado ou ainda que fosse "só ali" na esquina para comprar algo.
Cada conduta, cada detalhe e cada decisão tomada influencia no resultado da viagem. Um exemplo: no deslocamento, se o condutor decide fazer uma ultrapassagem proibida, deve ser consciente de que está se expondo ao risco desnecessariamente; se ao fazer essa ultrapassagem ele está sem cinto de segurança, deve entender que o risco de morte é potencializado; se somado a isso ele está alcoolizado, poderá causar efeitos indesejáveis inclusive a terceiros.

Fiscalização de Trânsito

Para o agente da autoridade de trânsito, a fiscalização está intimamente ligada ao que prevê a Lei (mais uma vez, concordem ou não, haja brechas ou não), tanto na aplicação de uma multa (Notificação de cometimento de infração/autuação, que será convertida em multa após o devido processo administrativo) quanto na execução da medida administrativa.
É aqui que entra o grande gargalo sociedade x autoridade: o leigo não sabe ou não aceita que o trabalho policial não está em função da vontade do agente, numa medida que ele resolveu tomar ali na hora, num ânimo de punir com pessoalidade. Existe no direito a classificação dos Atos Administrativos (de forma simplória: quaisquer atos executados pelo agente público no exercício da função), dentre eles o Vinculado, que prevê de forma praticamente ortodoxa a forma de execução, não cabendo ao agente definir, dentre a nuvem de possibilidades, aquela que mais se aplica ao caso concreto.
Exemplo prático: o PRF visualiza um veículo transitando com seus ocupantes sem cinto de segurança. Via de regra ele deve ser abordado, identificado e autuado pela infração ao Art. 167 da Lei 9.503/97 - CTB. Essa mesma lei prevê a retenção para regularização como medida administrativa. Ora, se o agente somente fizesse a autuação, que sentido teria liberar o veículo com seus ocupantes dando continuidade ao erro? Pela preservação da vida, exige-se que todos façam uso do dispositivo para que a viagem possa continuar.
Simples de entender, não é? Para o infrator ignorante não! Para cada infração e medida administrativa correspondente há um rol de argumentos (se assim podemos dizer) para não ter efeito o determinado pelo agente.
Até que se ficasse nas súplicas do tipo "quebra essa aí", "prometo que nunca mais farei isso", "mas eu sou trabalhador" (como se a gente que o fiscaliza não fosse...) e as mais diversas falácias, há aqueles que tentam nos coagir com frases do tipo "eu conheço fulano de tal", "eu vou anotar seu nome e representar contra você", "isso é um abuso e eu vou entrar com um recurso na justiça", e ainda um terceiro tipo de santo que é o inversor de ônus, que tenta sensibilizar o agente a não fazer seu trabalho como se o errado ali fosse o policial. Ah, não pode faltar o pior deles: o corrupto, que "chama para tomar um cafezinho", que oferece "deixar o do petróleo" e por aí vai.
Fica sempre o questionamento: será um dia que teremos uma sociedade evoluída ao ponto de todos os seus integrantes entenderem que o bem comum é a causa e a finalidade da polícia e que o interesse coletivo deverá sempre sobressair ao individual?
Sinceramente, como caminhamos para a degradação dos valores morais nesse mundo que está à beira do abismo, minhas perspectivas não são lá muito animadoras.


PRFoxxx

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