Impressões e teorização leiga
Acho que desde minha entrada na Polícia Rodoviária Federal não sequer UM plantão em que eu não tivesse me deparado com um condutor infrator argumentando o cometimento da infração no sentido de minimizar sua gravidade e ou pedindo para que não fosse autuado.
Acho que desde minha entrada na Polícia Rodoviária Federal não sequer UM plantão em que eu não tivesse me deparado com um condutor infrator argumentando o cometimento da infração no sentido de minimizar sua gravidade e ou pedindo para que não fosse autuado.
Desde que o mundo é mundo e as pessoas se organizam em grupos, para que a harmonia desse grupo seja mantida, deve haver regras. E quem cria essas regras? Vivemos em uma sociedade democrática - o poder que emana do povo; a vontade do povo, teoricamente, é colocada em prática pelos seus representantes (hein???) eleitos, que a traduz em normas (de Trânsito, Penais, Cíveis e etc). Em palavras simples, esse é o tal Ordenamento Jurídico.
Se falei besteira, desculpem o leigo (não sou formado em Direito, muito pelo contrário, minha graduação está em outro extremo dessa), mas a ideia é mostrar que não vivemos numa Anarquia, como muitos pensam (e acreditam piamente). Gostando ou não, concordando ou não, devemos seguir todo um conjunto de regrinhas que visam o bem comum (ou pelo menos da maioria), ainda que nelas existam falhas/brechas.
O trânsito nada mais é que o reflexo de uma sociedade. Se o sujeito é arrogante, num veículo ele extravasará isso (e causará acidentes). Se é egoísta, numa rotatória, por exemplo, tenderá a não obedecer a placa de preferencial (e causará acidentes). Se é educado/cortês, irá imobilizar seu veículo antes da faixa de pedestre para que a mãe atravesse com seu filho enquanto voltam da escola (e evitará acidentes). É sempre assim: cada postura implica no bom ou no mau resultado.
Tenho uma convicção: todo infrator é consciente de que está incorrendo em erro. Aqui cabe uma ressalva: aquele que não tem habilitação está abaixo do patamar de condutor, por conseguinte, está errado por si só; não se tem como cobrar dele a consciência de estar incorrendo em erro ou não, pois nela (ou na falta dela) está arraigado o ânimo de andar à margem da lei.
Desde criança somos condicionados a confrontar o permitido e o proibido. Fazemos juízo de valor continuamente. No trânsito esse juízo de valor começa desde o momento em que, por exemplo, adentra-se o veículo e é dada partida sem ter o ocupante colocado o cinto de segurança. Ele está sujeito a se acidentar mesmo com o veículo parado ou ainda que fosse "só ali" na esquina para comprar algo.
Cada conduta, cada detalhe e cada decisão tomada influencia no resultado da viagem. Um exemplo: no deslocamento, se o condutor decide fazer uma ultrapassagem proibida, deve ser consciente de que está se expondo ao risco desnecessariamente; se ao fazer essa ultrapassagem ele está sem cinto de segurança, deve entender que o risco de morte é potencializado; se somado a isso ele está alcoolizado, poderá causar efeitos indesejáveis inclusive a terceiros.
Fiscalização de Trânsito
Para o agente da autoridade de trânsito, a fiscalização está intimamente ligada ao que prevê a Lei (mais uma vez, concordem ou não, haja brechas ou não), tanto na aplicação de uma multa (Notificação de cometimento de infração/autuação, que será convertida em multa após o devido processo administrativo) quanto na execução da medida administrativa.
É aqui que entra o grande gargalo sociedade x autoridade: o leigo não sabe ou não aceita que o trabalho policial não está em função da vontade do agente, numa medida que ele resolveu tomar ali na hora, num ânimo de punir com pessoalidade. Existe no direito a classificação dos Atos Administrativos (de forma simplória: quaisquer atos executados pelo agente público no exercício da função), dentre eles o Vinculado, que prevê de forma praticamente ortodoxa a forma de execução, não cabendo ao agente definir, dentre a nuvem de possibilidades, aquela que mais se aplica ao caso concreto.
Exemplo prático: o PRF visualiza um veículo transitando com seus ocupantes sem cinto de segurança. Via de regra ele deve ser abordado, identificado e autuado pela infração ao Art. 167 da Lei 9.503/97 - CTB. Essa mesma lei prevê a retenção para regularização como medida administrativa. Ora, se o agente somente fizesse a autuação, que sentido teria liberar o veículo com seus ocupantes dando continuidade ao erro? Pela preservação da vida, exige-se que todos façam uso do dispositivo para que a viagem possa continuar.
Simples de entender, não é? Para o infrator ignorante não! Para cada infração e medida administrativa correspondente há um rol de argumentos (se assim podemos dizer) para não ter efeito o determinado pelo agente.
Até que se ficasse nas súplicas do tipo "quebra essa aí", "prometo que nunca mais farei isso", "mas eu sou trabalhador" (como se a gente que o fiscaliza não fosse...) e as mais diversas falácias, há aqueles que tentam nos coagir com frases do tipo "eu conheço fulano de tal", "eu vou anotar seu nome e representar contra você", "isso é um abuso e eu vou entrar com um recurso na justiça", e ainda um terceiro tipo de santo que é o inversor de ônus, que tenta sensibilizar o agente a não fazer seu trabalho como se o errado ali fosse o policial. Ah, não pode faltar o pior deles: o corrupto, que "chama para tomar um cafezinho", que oferece "deixar o do petróleo" e por aí vai.
Fica sempre o questionamento: será um dia que teremos uma sociedade evoluída ao ponto de todos os seus integrantes entenderem que o bem comum é a causa e a finalidade da polícia e que o interesse coletivo deverá sempre sobressair ao individual?
Sinceramente, como caminhamos para a degradação dos valores morais nesse mundo que está à beira do abismo, minhas perspectivas não são lá muito animadoras.
PRFoxxx
A coisa só piora... infelizmente.
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