Carta de um Policial Rodoviário Federal ao Ministro Francisco Cândido de Melo Falcão Neto, presidente do Superior Tribunal de Justiça.
Nobre Ministro, permita-me a apresentação:
Tenho 87 anos de existência e tenho certeza de que o senhor não me conhece adequadamente.
Sou um trabalhador diferente dos demais, pois trabalho a noite, mas não faço jus à remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, como garante a Constituição Federal a todos os trabalhadores;
Trabalho rotineiramente acima da jornada de trabalho prevista para o meu cargo, mas não recebo remuneração pelo serviço extraordinário, conforme dispõe o Art. 7, XVI da CF;
Trabalho na fronteira, mas não recebo a indenização pelo exercício de atividade penosa em área de fronteira, conforme determina a Lei 12.855/2013 e apesar de ser servidor público civil, o Supremo Tribunal Federal entende que por ser policial não tenho direito subjetivo à greve, como se militar fosse.
Muito prazer, sou Policial Rodoviário Federal.
Escrevo esta carta destinada a Vossa Excelência, pois acaba de conceder medida liminar determinando que as entidades sindicais que me representam abstenham-se "de deflagrar o movimento paredista, inclusive na forma de "operação padrão" ou outra ação organizada que, direta ou indiretamente, venha a interferir nas rotinas, condutas e protocolos estabelecidos e normalmente adotados, no âmbito interno e no tratamento ao público, sob pena de multa de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil Reais) por dia de descumprimento".
Tenho certeza de que o senhor proferiu a presente decisão liminar por desconhecer a realidade atual dos policiais rodoviários federais.
Não existe, como quer fazer parecer o Governo Federal, iminente ameaça de suspendermos a prestação de serviços a sociedade, através de movimento grevista, ou qualquer movimento de omissão coletiva de cumprimento das nossas obrigações.
Infelizmente, os policiais rodoviários federais estão sendo acometidos por um surto epidêmico desmotivacional que está afetando consideravelmente o seu desempenho laboral, conforme passo a expor detidamente:
Nos últimos oito anos, o policial rodoviário federal tem se desdobrado de maneira sobre-humana no desempenho de suas obrigações, especialmente diante das péssimas condições de trabalho a que está subjugado. Apesar das imensas dificuldades que enfrenta, conseguiu oferecer a sociedade um serviço público de qualidade, tornado-se o policial mais eficiente do Brasil.
Só a título de exemplo, os PRFs representam apenas 1% (um por cento) de todos os policiais brasileiros, mas a Polícia Rodoviária Federal é a polícia que apreendeu a maior quantidade de drogas do país no ano passado e conseguiu reduzir, nos últimos quatro anos, 20% dos acidentes e 22% das mortes nas rodovias federais, o que rendeu ao Brasil um prêmio internacional de segurança viária concedido pela ONU.
Esses resultados expressivos da PRF foram alcançados mesmo possuindo o menor orçamento e o menor efetivo policial dentre as instituições de segurança pública do país, o que demonstra a eficiência e o esforço surreal de seus policiais.
O Policial Rodoviário Federal conseguiu atingir tamanhos resultados, destacando-se dos demais, não apenas por sua capacidade multitarefa e sua abnegação, mas especialmente por ter se tornado um servidor policial proativo e não ser simplesmente mais um ser reativo. Essa proatividade não foi algo plantado e germinado deliberadamente pela instituição, ela brotou espontaneamente dos policiais e foi contagiando a todos de maneira positiva e gradual ao longo desses últimos anos, o que nos fez alcançar tamanha eficiência.
Mesmo com tanta dedicação e empenho, os policiais rodoviários federais amargaram a redução de quase 50% dos seus vencimentos, considerando a correção do IGPM nos últimos nove anos, o que faz com que estes servidores não consigam mais prover uma sobrevivência digna a sua família.
Apesar do sofrimento que vem passando, em virtude da depreciação dos seus salários, os PRFs acreditavam que, de forma meritocrática, em reconhecimento a abnegação, dedicação e eficiência alcançadas, teriam os seus proventos recompostos minimamente, pelas perdas inflacionárias sofridas, na negociação salarial deste ano, o que não ocorreu.
Com a frustração dessa expectativa coletiva, disseminou-se rapidamente um sentimento comum de consternação profunda, principalmente ao verificarmos a recomposição salarial de outras carreiras, restando aos policiais rodoviários indiferença e desprezo por parte do Governo.
O ser humano policial é a essência da instituição. Dessa forma, quando os homens adoecem, a organização perde produtividade e qualidade nos seus serviços prestados. Imagine, então, o impacto que essa enfermidade generalizada está causando em um órgão que baseia seu bom desempenho na proatividade do policial.
Apesar disso, podemos assegurar que não houve e nem haverá qualquer alteração nas rotinas, condutas e protocolos adotados pelo policial rodoviário, pelo profissionalismo e comprometimento demonstrado durante os seus 87 anos existência.
Vislumbramos, apenas, uma mudança no sentimento interno do PRF que deixou de ser um trabalhador proativo e passou a ser um indivíduo completamente reativo. Para percebermos isso, basta observarmos detidamente qualquer policial rodoviário e notaremos facilmente um olhar atônito, uma aura carregada de tristeza, seguramente o mesmo semblante de uma pessoa quando; perde um ente querido.
Cumpre-nos destacar que não somos paredistas, desordeiros, nem tampouco deixaremos de cumprir nossas rotinas e protocolos orgânicos, pois nunca vacilaremos no cumprimento da nossa missão institucional.
Diante do exposto, gostaria que vossa excelência se sensibilizasse ao compreender que no momento sofremos de uma enfermidade generalizada cujo tratamento depende da valorização do Policial Rodoviário Federal, para que nele subsista motivação e ele possa voltar a ser o guerreiro proativo de outrora.
Assim, a eminente decisão proferida por este douto julgador aprofunda ainda mais a epidemia desmotivacional que acomete os policiais rodoviários, já que estes batalhadores incansáveis diuturnamente zelam pela ordem, mantendo a paz social em nosso país, mesmo sendo negado a eles direitos fundamentais dos trabalhadores (como os mencionados na apresentação inicial) sendo a decisão desproporcional, uma vez que esses profissionais jamais cogitariam colocar a segurança da sociedade brasileira em risco.
Votos de apreço e estima,
Do singelo Policial Rodoviário Federal, Delta Romeu.