Poderia muito bem ser uma voz de comando no caso de uma abordagem policial, mas não foi. Era uma enfermeira a falar com a vítima de um acidente de trânsito que ali no leito do hospital se queixava, talvez um delírio por conta dos fortes analgésicos, talvez numa reação do corpo que agora não mais estava íntegro.
O velho Chico encontrava-se imobilizado com colar cervical e talas nos 4 membros, mas não era por isso que não conseguia sequer levar as mãos até o rosto para se coçar ou erguer sua cabeça que apoiava-se sobre a parte rígida da prancha do resgate.
Chico há poucos minutos atrás estava pilotando sua motocicleta de retorno para casa. Sua origem: incerta, mas com certeza era oriundo de um reduto provido de bebida alcoólica. Da sua origem até o ponto de colisão é impossível prever com quantos veículos ele tenha "cruzado", mas naquele ponto da rodovia federal havia uma lombada; mal sinalizada, mas não impossível de ser vista, a não ser que o condutor estivesse com suas faculdades normais atenuadas por aquela droga legalizada (que só tem tal status porque gera receita para os cofres públicos). Nessa hora, veículo + velocidade resultam em vôo. Não foi um voo solo, Chico encontrou Barnabé, também adepto à geração de receita estatal na forma de ingestão de algumas garrafas de cerveja enquanto saboreava uma galinhada com sua família. Barnabé saía da cidade e se dirigia a sua humilde residência. Era "só ali", não tinha porque não beber, afinal de contas, é fim de semana e todos tem o Direito de se divertir (entenda-se: Direito de Dirigir Bêbado). Barnabé não só presenciou o voo de Chico, mas dele fez parte. Teve seu veículo autopropelido atingido pelo planador de Chico, sendo vitimado com lesões leves na face inclusive pela ausência do cinto de segurança (afinal de contas, ele só ia ali, não precisava usar o dispositivo para cuidar da sua vida/integridade física). Ah Barnabé, quem imaginaria que a 100m de casa você e Chico teriam um contato tão íntimo? Como você poderia imaginar que mesmo estando embriagado, encontraria um mais embriagado ainda que quase o levou para o outro lado para prestar as contas com O Altíssimo?
Barnabé, dessa vez você se safou; mas e se não tivesse sido possível? E se além da multa de aproximadamente R$ 2.000,00 o senhor tivesse que despesa funerária com algum dos seus familiares que estavam no veículo, será que teria escrito aquela falácia na declaração prestada em formulário oficial para confecção de Boletim de Acidente de Trânsito? Lá no cabeçalho desse documento o senhor leu (e foi alertado) que as informações prestadas são de inteira responsabilidade do declarante? Responsabilidade é exatamente o que o senhor não teve quando afirmou "eu jamais teria a maldade de por minha família em risco e a vida de terceiros". Barnabé, o senhor ingeriu bebida alcoólica e dirigiu; está tão embriagado que não consegue perceber a incoerência?
Chico, vou parar de falar com o Barnabé, porque entre bêbado e bêbado, quem está aqui nessa maca no hospital é você! A esposa que entrou gritando desesperada pela recepção foi a sua! A filha adolescente inconsolável não está ilesa como a do outro envolvido no acidente!
Acorda Chico! Aqui quem está na enfermaria sou eu, um policial que há 2 anos sofreu um grave acidente de moto e que teve uma segunda chance dada por Deus para continuar firme sobre as 2 pernas, com os 2 braços funcionais, para seguir realizando meu trabalho de evitar, inclusive, esse tipo de acidente que te vitimou. Acorda Chico! Eu sou um só, nós PRFs somos poucos. Há menos de 1 hora levamos preso um outro condutor embriagado que também poderia ter se matado, mas teve a sorte de ser preso e pelo menos mais uma noite teria garantida.
Acorda Chico! Olhe para o lado e veja seu irmão chorando; que seu sobrinho que coça o seu rosto o faz porque você não conseguirá mais fazê-lo. Aguce sua audição para ouvir lá fora sua esposa gritar que irá contigo "até para o inferno", mas ela te quer de volta. Você ainda não morreu para ela te querer de volta, mas ela quer o Chico inteiro, e não mais o terá, Chico. Você está tetraplégico!
Relato de um policial chocado em atendimento de acidente, inconformado com o Direito de Dirigir Bêbado, impotente diante de tragédias corriqueiras causadas pela hipocrisia da sociedade, pela covardia dos legisladores e pela falta de ciência humana da fragilidade desse corpo efêmero.
O velho Chico encontrava-se imobilizado com colar cervical e talas nos 4 membros, mas não era por isso que não conseguia sequer levar as mãos até o rosto para se coçar ou erguer sua cabeça que apoiava-se sobre a parte rígida da prancha do resgate.
Chico há poucos minutos atrás estava pilotando sua motocicleta de retorno para casa. Sua origem: incerta, mas com certeza era oriundo de um reduto provido de bebida alcoólica. Da sua origem até o ponto de colisão é impossível prever com quantos veículos ele tenha "cruzado", mas naquele ponto da rodovia federal havia uma lombada; mal sinalizada, mas não impossível de ser vista, a não ser que o condutor estivesse com suas faculdades normais atenuadas por aquela droga legalizada (que só tem tal status porque gera receita para os cofres públicos). Nessa hora, veículo + velocidade resultam em vôo. Não foi um voo solo, Chico encontrou Barnabé, também adepto à geração de receita estatal na forma de ingestão de algumas garrafas de cerveja enquanto saboreava uma galinhada com sua família. Barnabé saía da cidade e se dirigia a sua humilde residência. Era "só ali", não tinha porque não beber, afinal de contas, é fim de semana e todos tem o Direito de se divertir (entenda-se: Direito de Dirigir Bêbado). Barnabé não só presenciou o voo de Chico, mas dele fez parte. Teve seu veículo autopropelido atingido pelo planador de Chico, sendo vitimado com lesões leves na face inclusive pela ausência do cinto de segurança (afinal de contas, ele só ia ali, não precisava usar o dispositivo para cuidar da sua vida/integridade física). Ah Barnabé, quem imaginaria que a 100m de casa você e Chico teriam um contato tão íntimo? Como você poderia imaginar que mesmo estando embriagado, encontraria um mais embriagado ainda que quase o levou para o outro lado para prestar as contas com O Altíssimo?
Barnabé, dessa vez você se safou; mas e se não tivesse sido possível? E se além da multa de aproximadamente R$ 2.000,00 o senhor tivesse que despesa funerária com algum dos seus familiares que estavam no veículo, será que teria escrito aquela falácia na declaração prestada em formulário oficial para confecção de Boletim de Acidente de Trânsito? Lá no cabeçalho desse documento o senhor leu (e foi alertado) que as informações prestadas são de inteira responsabilidade do declarante? Responsabilidade é exatamente o que o senhor não teve quando afirmou "eu jamais teria a maldade de por minha família em risco e a vida de terceiros". Barnabé, o senhor ingeriu bebida alcoólica e dirigiu; está tão embriagado que não consegue perceber a incoerência?
Chico, vou parar de falar com o Barnabé, porque entre bêbado e bêbado, quem está aqui nessa maca no hospital é você! A esposa que entrou gritando desesperada pela recepção foi a sua! A filha adolescente inconsolável não está ilesa como a do outro envolvido no acidente!
Acorda Chico! Aqui quem está na enfermaria sou eu, um policial que há 2 anos sofreu um grave acidente de moto e que teve uma segunda chance dada por Deus para continuar firme sobre as 2 pernas, com os 2 braços funcionais, para seguir realizando meu trabalho de evitar, inclusive, esse tipo de acidente que te vitimou. Acorda Chico! Eu sou um só, nós PRFs somos poucos. Há menos de 1 hora levamos preso um outro condutor embriagado que também poderia ter se matado, mas teve a sorte de ser preso e pelo menos mais uma noite teria garantida.
Acorda Chico! Olhe para o lado e veja seu irmão chorando; que seu sobrinho que coça o seu rosto o faz porque você não conseguirá mais fazê-lo. Aguce sua audição para ouvir lá fora sua esposa gritar que irá contigo "até para o inferno", mas ela te quer de volta. Você ainda não morreu para ela te querer de volta, mas ela quer o Chico inteiro, e não mais o terá, Chico. Você está tetraplégico!
Relato de um policial chocado em atendimento de acidente, inconformado com o Direito de Dirigir Bêbado, impotente diante de tragédias corriqueiras causadas pela hipocrisia da sociedade, pela covardia dos legisladores e pela falta de ciência humana da fragilidade desse corpo efêmero.
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