História de rodovia: Quem sai junto, chega junto
Uma frase que usamos comumente aqui na polícia e que infelizmente não é conhecida e praticada pela a classe dos caminhoneiros, nossos "companheiros" de trecho.
Uma frase que usamos comumente aqui na polícia e que infelizmente não é conhecida e praticada pela a classe dos caminhoneiros, nossos "companheiros" de trecho.
O distinto profissional da boleia tem pouca ou nenhuma noção dos perigos aos quais está sujeito quando embarca no seu meio de transporte. Haverá quem diga que estou errado, visto que só tenho 6 anos de pista e a grande maioria com quem lido diariamente tem um tempo muito superior a isso de labuta nas rodovias Brasil afora. Aí eu pergunto: se eles são tão cientes dos perigos, porque continuam dirigindo como loucos destemidos matando e morrendo cada dia mais? Provocando ou se envolvendo em acidentes cada vez mais violentos/graves e danosos? Se os veículos tornam-se mais potentes a cada "geração" e a frota cresce em Progressão Geométrica, os cuidados ao dirigir não deveriam acompanhar esse aumento, proporcionalmente? Mas o fato é que isso não acontece.
Diversas são as hipóteses para que o caminhoneiro se torne cada dia menos cuidadoso e mais "violento" no trânsito, mas na minha análise de hoje vou tocar em 2 pontos: o estigma da impunidade e o aumento da auto-confiança. Para o caso prático, trarei um exemplo de flagrante cotidiano na Unidade Operacional onde trabalho: transitar com veículo com lotação excedente - caminhão. O tema foi sugerido por um excelente colega, companheiro de equipe e grande amigo, que além de Policial Rodoviário Federal é Pedagogo de formação e ministra palestras de Educação para o Trânsito.
Da Infração
O caso em tela é simples de ser visualizado não só por nós da fiscalização, mas por qualquer pessoa que utilize as rodovias e tenha o mínimo de sensibilidade e atenção ao se olhar no interior da cabine de um caminhão, sobretudo os de maior porte (Carreta, Bitrem/rodotrem), quando em movimento: de forma geral, esses veículos (cavalos-tratores) são providos de somente 2 bancos com cinto de segurança, por conseguinte, só transportam 2 ocupantes, incluído o motorista. A depender da extensão da cabine, poderão ter ainda a "cama" fixa atrás desses bancos. Outros realizam a modificação dessa cama abrangendo o espaço do banco do passageiro, ou seja, elimina-se a possibilidade de transporte de outro ocupante além do motorista. Desse fato deriva-se a infração de trânsito de Transitar com o veículo com lotação excedente [Infração ao Art. 231, Inciso VII da Lei 9.503/97 - Código 6858-0], Natureza: Média + Pontos: 4 + Valor: R$ 85,13.
Das implicações
O fato de um veículo transitar com ocupantes além do comportado, implica necessariamente na situação de estar este ocupante sem cinto de segurança, ou seja, vulnerável a quaisquer eventos adversos, desde uma frenagem brusca ou colisão, cuja inércia que pode fazer com que esse ocupante venha a ser projetado e sofra lesões graves/morte; até mesmo situação mais gravosa como um tombamento, onde inevitavelmente esse ocupante será projetado para baixo da cabine/carroceria e na maioria dos casos terá resultado morte.
Das medidas administrativas
Para a infração verificada, há a previsão legal de realização de transbordo, ou seja, a eliminação desse excesso, que ficará a critério dos atores em questão. Geralmente são encaminhados no transporte coletivo ou pegam carona com amigos/familiares.
O enredo
Com a vivência da rodovia, verificamos que grande parte dos caminhoneiros autuados por incorrer nesta infração (que a legislação trata como média, mas que para nós aplicadores da lei e responsáveis por prevenir mortes, é de gravidade imensurável) está em viagem com a família, sobremaneira em época de férias escolares. Historicamente se vê falar na vida solitária do caminhoneiro, que deixa a família em casa e sai para o trecho sem saber dia e hora de voltar. Guardado o fundinho de verdade, aqui na realidade essa regra não se aplica absoluta, vez que estamos numa região "fonte" de caminhoneiros, onde muitos dos locais realizam suas viagens em âmbito local, pequenos trechos e acabam não entrando nessa regrinha acima. Ainda por isso, resolvem encher o caminhão com esposa e filhos e sair para fazer um passeio enquanto executam um frete ida e volta de no máximo 1 dia. É aí que mora o problema: essa auto-confiança de que o "só ali" (trecho curto, baixa duração) elimina o risco é enganosa. Muitos dos acidentes que atendemos é de gente que ia "só ali pertinho" ou do que estava chegando em casa, já sob efeito do relaxamento natural de que "está mais perto do fim e não deu nada até aqui"... Um segundo ponto é o maldito câncer brasileiro: a impunidade. Impunidade não no sentido de crime (mas bem que poderia ser), mas na faceta da infração administrativa. Os caminhoneiros sabem que somos poucos policiais para cobrir um longo trecho, somado ao fato de termos um amplo leque de atribuições, eles dolosamente incorrem em infração não acreditando que serão flagrados e quando o são, tentam se esquivar como bons brasileiros (covardes) que são.
De hoje
Às 11:20 horas desta data o sagaz guarda que não sente fome e não se incomoda com o sol de 40º na moleira estava defronte a Unidade Operacional fiscalizando quando visualiza um caminhão do tipo bitrem com vários ocupantes dentro da cabine. Ao ser abordado, o condutor disse estar com a família... Verificação da cabine: 4 ocupantes, dentre eles uma criança de idade entre 4 e 5 anos, que viajava sobre a cama, sem qualquer dispositivo de retenção (frise-se que para a Res. 277/08 Contran não há obrigatoriedade de uso de "cadeirinha" nesse tipo de veículo); uma das passageiras sem cinto de segurança, que também viajava sobre a cama; a outra passageira utilizava o banco e cinto de segurança. Autuação pela infração ao Art. 231 do CTB e Medida Administrativa de transbordo realizado.
Foi fácil visualizar? Sim, então agora faça um esforço e imagine esse veículo seguindo viagem e se envolvendo em um acidente de trânsito do tipo tombamento? Consegue ver aquela senhora e aquele garotinho sofrendo os efeitos da inércia e sendo esmagados por um veículo de 23.000Kg (vazio), considerada ainda a potencialização da velocidade? Acho que nem precisa detalhar mais o cenário, pois essa cena só nós somos obrigados a ver quando somos acionados e vamos até o local lavrar o Boletim de Acidente de Trânsito e só, pois não há atendimento/resgate nesses casos...
Como sempre, se posso evitar, para que deixar passar? E há quem diga que a fiscalização de trânsito é "fábrica de multas". Para essas pobres mentes nanicas, deixo o meu testemunho de mais uma história de rodovia que me deixa cheio de orgulho de ter poupado vidas, de ter visto pelo vidro lateral de um automóvel de passeio que veio realizar o transbordo, o sorriso daquela criança que foi embora em segurança graças à nossa intervenção.
PRFoxxx
Sem mais.....
ResponderExcluirSó agradecer por poder "presenciar" a vida no dia a dia em mais um relato
Deus proteja o "guarda"....
Abraço!!
http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?noticia=Carreta_despenca_em_ribanceira_mata_um_e_deixa_crianca_e_homem_feridos&id=393357
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