quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Nota de falecimento

Mais um pai de família não está mais aqui simplesmente por ser policial, por ter escolhido como missão de vida a nobre tarefa de proteger a sociedade. Não tombou em combate, mas sim na sua preciosa hora de "folga" enquanto estava com sua família. Foi atingido com crueldade em frente aos seus 4 filhos após os marginais terem descoberto sua farda no armário. Atiraram sem dó nem misericórdia; atiraram porque são menores de idade; atiraram porque queriam dinheiro para comprar entorpecentes para manter sua "nóia"; tiraram mais que uma vida...

Tiraram da sociedade daquela pujante cidade do Mato Grosso um oficial da Polícia Militar; um profissional que estava engajado na missão de tirar da vulnerabilidade aqueles mesmos "menores de idade" que poderiam vir a ser recrutados pelo mundo do crime como seus algozes foram. Tiraram da família um filho querido, um pai dedicado, um amigo incrível e um ser humano referência.

Tiraram de mim além de lágrimas quando no velório vi um dos seus filhos (que viu o pai ser atingido por vários disparos) chorar a perda do amigo, do paizão protetor e exemplo de homem. Tiraram-me ainda o resto de ânimo de continuar a missão.


Mais uma vez vem a inevitável condição de me colocar no lugar daquele colega. Ainda que com relativamente poucos pontos em comum entre o cenário em que ele vivia e o meu, o status de pai policial é o que me dá um alerta sobre como estamos vulneráveis e vivendo num cenário de inversão de lógica.
"Estar vulnerável" é que até então eu via na TV a realidade de policiais do Rio de Janeiro que precisam carregar dentro de mochilas seus uniformes da casa ao trabalho para não serem "identificados como policiais" por bandidos, bem como não podiam estender suas fardas no varal para secar evitando, assim, que suas famílias não fossem alvos do crime. Essa fatídica realidade agora me atingiu, ainda que indiretamente e me fez estar atento, preocupado, temeroso e cada dia mais indignado com a inversão de lógica.

Eu cheguei a pensar: "nossa, se eu fosse aquele bandido ao identificar o uniforme do policial que eu estava assaltando, ia fazer de tudo para sair de dentro daquela casa e sumir no mundo por ter escolhido a casa errada". Não só porque policiais devam estar isentos dos estigmas da sociedade, como a violência, mas também porque esses filhos da puta alguma hora estarão de volta às ruas e o próprio "sistema" (como eles dizem) se encarregará de sentenciá-los.
E por que isso não aconteceu? Porque há tempos estamos caminhando a passos largos ao encarceramento da sociedade, onde os hipócritas defensores dos "direitos humanos" e os cegos membros da sociedade brasileira escandalizam as ações policiais e concomitantemente romantizam a escolha (sim, é escolha) pela vida no crime.

Por falar em "direitos humanos", nenhuma comissão/entidade/ONG esteve com a família do policial para ofertar apoio psicológico. O filho de 17 anos está a revolta em pessoa, nutre os mais perigosos sentimentos humanos; o filho de 13 anos apresenta alterações psicológicas preocupantes e chora continuamente, está sofrendo no ambiente escolar e teve suas relações sociais danificadas; a filha de 6 anos só reclama de o céu ser longe e o pai dela (que virou uma estrelinha, em suas palavras) está demorando para voltar e preparar seu leite...
Com isso não há preocupações, afinal de contas, para os DH essa família receberá uma boa pensão por algum tempo, além de já terem carro e casa própria (comprados com dinheiro de muito suor e honestidade), por conseguinte, não são "vítimas da sociedade" e não estão em vulnerabilidade.


Após tudo isso, eu chego a pensar (de novo): "nossa, se eu fosse aquele policial eu também estaria morto?". Para os DH, minha família estaria menos vulnerável ainda, pois sou recém-casado e tenho apenas 1 filho. Para o governo eu seria uma despesa efêmera (com a recente aprovação de um quociente reduzido para pagamento de pensão por morte ao cônjuge) e para a sociedade eu seria mais um na estatística de policiais mortos. Só mais um... nessa realidade onde o marginal atenta contra quem protege a sociedade e ainda assim cada ser energúmeno que a compõe não vê que esse é o mais alto grau de afronta contra sua integridade.

Sinceramente, até vir aqui escrever esse texto (que não dá a dimensão do evento) me faz sofrer.
Desculpem pela ausência no Blog, não é falta de assunto: é falta de ânimo para continuar remando contra a maré.

Descanse em paz amigo Helton.

PRFoxxx

3 comentários:

  1. Triste realidade de um país onde os valores já foram invertidos há muito tempo, onde essas barbáries vão passando despercebidas pela grande mídia, e dai que você deve tirar força, meu amigo, pois seu trabalho de mostrar a realidade policial é acompanhado por pessoas que estão atentas a tudo isso. É triste ler essas histórias, força a família e que Deus conforte o coração deles e dê um bom lugar ao guerreiro que se foi. E que Deus ilumine e proteja a todos vocês que prestam esse trabalho tão importante a nossa sociedade!

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  2. "meus sentimentos aos familiares..."
    Agora entendi por que sumiu e por que anda reflexivo no dia a dia.Mesmo ainda caminhando ao meu objetivo, posso sim, sentir como é grande essa perda. Sem conhecer o oficial mas por trabalhar atualmente com muita gente e no início da minha carreira com crianças e adorar criança, fiquei aqui imaginando como elas estão.
    Que Deus proteja todos policiais em qualquer tempo e ilumine essa família na paz e conforto de seus corações...!

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  3. Meus sentimentos a família de seu amigo.... Sinto muitíssimo... imagino a dor da pequena de 6 anos...Tenho uma filha de sete e muito me comove a dor das crianças.... Que Deus conforte o coração dos familiares...

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